"Existem Venenos Tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, temos que nos expor ás doenças que causam."

Oscar Wild.

13 dezembro 2010

Duality


Ele abriu os olhos, se sentia estranhamente vazio, não sabia mais discursar sobre o amor, muito menos sobre a dor, era apenas mais um rabiscando palavras aleatórias em um papel qualquer que no fim do dia estaria entre toneladas de lixo em meio a algum devaneio perdido.

Ela abriu os olhos, se sentia estranha, uma mistura de dor com uma pontada de decepção, não sabia mais discursar sobre a dor que sentia ou que às vezes se fazia sentir, muito menos sobre o amor, digitava algumas palavras no bloco de notas do computador para depois apagar e continuar a pensar sobre como perdera todo talento que já teve um dia.

Ele inventava historias sobre si mesmo para apagar o vazio que insistia em ficar.

Ela apagava as historias que inventara para se sentir um pouco melhor com a fria realidade.

Ele estancou e permaneceu no mesmo degrau.

Ela despencava por muros que foram construídos por suas próprias mãos.

Ele se trancava.

Ela procurava a chave.

Ele se calava.

Ela sorvia do silencio com um sorriso letal nos lábios secos.

Ele continuava.

Ela reabria os olhos se vendo como ele.

Ele fechava os olhos e se sentia como ela.

Ela se contorcia em troca de poucas migalhas.

Ele as atirava com os punhos fechados criando rajadas de falsas sombras sobre o piso frio e sujo.

Ela corria em vão.

Ele propunha os obstáculos.
 
Ela se feria.

Ele lambia as feridas.

Ela se cansou.

Ele voltou a brincar.

Ela enfim desistiu enquanto ele a forçava a jogar.

Ele sorria ao ver a falsa esperança.

Ela fingia para fazê-lo sorrir.

Ele morria em meio ao fogo.

Ela alimentava seus pesadelos.

Ambos viviam sem saber nem por um segundo que eram na verdade a mesma pessoa.

06 novembro 2010

Inocência




Via o sangue brotar do pequeno machucado no dedo, sentiu-se atônita, como se a pequena gotícula vermelha fosse na verdade um mar descontrolado e selvagem que brotava de seu corpo, olhava com um pavor desumano estampado na face o pequeno corte que fizera com a tesoura enquanto picotava papel.


Não ousou derramar uma lagrima sequer, continha o choro e o enjaulava como o animal selvagem que ele se mostrava, não sentia dor nenhuma, a não ser a da surpresa intolerante diante de seus olhos.

Sua mãe cantarolava sozinha na cozinha, ainda era capaz de ouvir os carros com seus motores barulhentos do lado de fora da janela, ouvia até mesmo o barulho suave que seu gato fazia ao dormir, eram os mesmos sons que sempre foram, tudo continuava intacto, menos ela, o pequenino corte praticamente se tornara invisível, nem mesmo conseguia distinguir sua forma, mas sabia que ele estava ali.

A tevê ligada começou a ressoar a entrada de seu programa favorito, lá existiam super heróis e super heroínas que salvavam o mundo de vilões com as caras feias e extraterrestres gosmentos, nunca viu, em um episodio se quer, os heróis se darem mal, pois era obvio que o bem sempre vencia o mal.

Ela era uma super heroína, havia colocado até mesmo sua pequena capa naquele dia e cortava bonequinhos de papel para serem as vitimas do malvado Doutor Rato, o mais temível da face da terra, não tinha muitos amigos, não saia quase de casa, mas tinha suas bonecas e seus cadernos que picotava com uma agilidade e uma coordenação de mestre.

Ela era uma super heroína, até o memento em que viu seu pequeno corte sangrar, sempre fora tão cuidadosa que sua pequena lembrança de 6 anos não se lembrava de ter visto sangue saindo de seu corpo, ela era uma heroína.

Mas agora havia se tornando apenas mais um de seus pequenos bonecos de papel, humanamente frágil.



03 novembro 2010

Umbral.




Refiz todos meus passos, andava de costas em alamedas povoadas por fantasmas que habitavam o mesmo espaço, porem não o mesmo tempo, cada um englobado em sua própria esfera atemporal corria e amassava com seus pés descalços tantas historias de amor que por lá já se fixaram e apodreceram caindo por terra e se emudecendo nos olhos de seus donos que lhe abandonavam as pisadelas daqueles que agora nada sentiam pelos amores fugazes deixados a esmo nas calçadas.

Cada músculo de meu corpo impulsionava toda minha massa no sentindo contrario ao convencional, repensava cada faísca de sanidade que havia ocorrido nas inúmeras sinapses de meu cérebro, respirava o gás carbônico de um dia fora oxigênio em meus pulmões, dizia as palavras de trás para frente, revia o mesmo filme de sempre rebobinado por meus olhos.

Reentrei no ventre de minha mãe, voltei a ser aquele pobre amontoado de células inúteis, me tornei nada.

Tornei-me enfim um dos fantasmas que sobreviviam à custa de suas azucrinações aos amores mortos, andando novamente no sentido convencional, vi aqueles a quem amei um dia, vi os moldes de onde minha antiga forma tinha sido moldada, ambos passaram pela sombra que me tornara, em seus sentidos opostos, seus olhares sequer se cruzaram, jamais seriam um modelo pré- fabricado de família que um dia cairia em ruínas deixando como réstia algumas magoas e alguns milhares de contrastes, os corações jamais bateriam em uníssono entregando uma felicidade que um dia existira lá, escondida atrás de dividas e falsas ascensões sociais.

Sorri ao formatar que cada um seguiria rumos completamente diferentes dos quais conhecia, ela talvez terminasse a faculdade e se tornasse enfim psicóloga, casaria com um homem simples, de sonhos pequenos, pois necessitava de amor, cada gesto de seu ser entregava esse vicio que corrompia sua alma, talvez continuasse a fumar e morresse aos 65 anos, após ter dois filhos e alguns netos que veria correndo no jardim nos domingos a tarde.

Ele jamais se casaria sempre fora prepotente desde os tempos de menino em que se viu responsável por uma família que nunca fora sua desde os tempos em que vira seu pai dando as costas aquela frágil concepção de felicidade que ele construía com sua mentalidade de menino, a que conhecia e parecia mais lógica como única nos seus cinco anos, nunca teria um décimo do que teve ao lado dela, mas perseguiria a vida toda o sucesso, como único objetivo, único sonho, morreria com uma idade mais avançada, não bebia em demasiado, e também raramente fumava, não gozava muito dos prazeres da vida, porem os cansaços do trabalho acabariam a lhe tornar senil.

Enfim o sorriso se apagou e continuei minha caminhada infinita, mas não sem antes olhar para baixo e ver na lama azeda que se infiltrava sobre os meus pés aquele amor tão frágil que jamais existiria que jamais se tornaria ressentimento e cairia na mesma lama, afinal inevitavelmente o destino de todos os amores era aquele chão remoído de tortuosas juras eternas e casamentos inférteis de ternura.

Suspirei fundo e continuei pelos caminhos onde todos sabiam que um destino tão certeiro quando a morte da matéria era o falecimento do amor.

26 outubro 2010

She Is.

Os olhos perdidos no emaranhado dos cabelos se fixavam no nada, deitada imóvel ela tecia dentro de si as lembranças de tantos algos que jamais chegara nem perto de presenciar, revia velhos amigos sem face, beijava bocas sem dono, via fantasmas sem olhos, olhos sem vida, ouvia o murmúrio das arvores, cantava aos timbres de um beija flor, dançava sua valsa muda escalando com as mãos sua redoma de vidro.


Não dormia, tampouco se mantinha acordada, viajava e corria pelos fios despenteados do cabelo que lhe cobria a face, via em cada um o filme da vida daqueles que a circulavam, ao longe uma voz discursava sobre as implicações da má distribuição de renda e da seca no nordeste, lembrou-se de tantas idéias que já teve, idéias que jamais saíram da sua cabeça, nunca se considerou uma boa escritora, sabia que já havia escrito muito mais do que suas mãos transcreveram no papel, em sua cabeça as idéias mais puras e concretas se formatavam e se fundiam em palavras intermitentes, lembrou-se de esquecer-las todas após segundos.

Lembrou de alguns olhares sem dono, alguns com donos que seriam perenes para ela, lembrou de transcrever, escrever e esquecer todos os detalhes de cada um deles, porem sem jamais perder nada do que lhe foi dado.

Sabia onde estava, apenas perdera a conta de quanto tempo já havia passado desde a ultima vez que havia piscado os olhos, se perdera nas inúmeras vidas que já vivenciara desde então, por segundos se esquecia de como se falavam certas palavras, inventava algumas varias para repor aquelas que se tornavam fugitivas, era tão estranha pra si mesma quando para todos aqueles que via diariamente e não conhecia intimamente quase nenhum, sabia das loucuras, os escapes, medos e disfarces de alguns, mas se sentia tão perdida quando se aprofundava em algum em especial que rapidamente migrava de alma e permanecia na ignorância que tanto a agradava.

Sentava-se na primeira carteira da ultima fileira todos os dias, conversava pouco com pessoas que representavam um numero ainda menor, era um fantasma que todos conheciam, alguns preferiam ignorar, outros odiar.

Já foi invejada, já foi outra pessoa completamente diferente, hoje pensava em tantas coisas que não sabia se era a mesma que foi no minuto em que chegou, hoje pensava nele, em algumas elas, não gostava muito de pensar em si, era um egoísmo desperdiçar seu tempo pensando na pessoa que pensava seus pensamentos.

Sabe quem ela é?

Não senhor, se voltar amanhã talvez possa responder sua pergunta.

29 setembro 2010

Play




"Feche os olhos..."
E passivamente ele os fechou.
O mundo passava a sua volta, pessoas, carros, aviões, mas ele os mantinha fechados ao comando da voz dela.

"Vamos meu amor acorde"

Novamente, sistematicamente, ele seguiu as ordens dos suaves acordes, focalizou o olhar e tentou enxergar em meio de todo aquele mar de almas a dona da voz, inutilmente caminhou por todos os olhos que passavam por ele e nada, nem um único vislumbre dos olhos castanhos que ela carregava, nem uma única sombra de seus cabelos em outras íris, nada.
A cada novo olhar que ele visitava o seu se recusava a aceitar que lá nada havia, mais do que desgostosa sua alma se negava a receber a aceitação do nada que ele encontrava, afogava-se a cada falsa evidencia, se debruçava nos abismos da memória para salvar a pouca esperança que guiava a fragilidade de sua alma.
Desceu as escadas do metrô, sentou-se no plástico morto, sentiu uma pele morna ao invés, milhares de nadas ao seu redor, todos feitos de plástico, e o plástico feito de pele, a pele feita de nada, o nada que para ele era quase nada, um quase que por pouco não o deixava virar tudo.

"O que foi, não consegue dormir?"

Fechou novamente os olhos como quem finge que dorme, como se assim realizasse o desejo dela.
Foi capaz de ver seu sorriso, sorriu de volta entregando seu disfarce mal encenado, sentiu os ares de gargalhada aos pés de seu pescoço, a morna brisa da descoberta do falho teatro por amor que causou para fazê-la rir.

"Me abraça; Forte"

Seus braços começaram a se levantar para agarrar o ar a sua frente porem a chamada do metrô anunciava que ali era sua despedida da falsa pele que descansava tomando lugar dos assentos coloridos de plástico.
Levantou preguiçosamente as pálpebras descobrindo seu olhar triste, desesperado para poder descansar em outro, mais preguiçosamente ainda se levantou e deixou os pés de sempre o levarem pelos mesmos caminhos de sempre vendo sempre pessoas diferentes com diferentes risos e tonalidades, pessoas diferentes que para ele eram as mesmas de sempre.

"Eu te amo"

Seu coração parou; Parava toda vez que ouvia a junção das letras, silabas e palavras que formavam essa frase, toda vez que ela ressoava nos seus ouvidos, seu ventrículo direito recusava a se mover, o átrio esquerdo com muita insistência demonstrava mínimo movimento, por preguiça, ou talvez pelo gosto da sensação, mantinha o resto imóvel saboreando os últimos segundos das palavras, as ultimas cores que previam o começo da normalidade em si, o nada.
Andava pelo cinza, um cinza desbotado de rosa, um blasé de anis que lavava o céu agora mais cinza, mais carregado de noite, de escuridão cinzenta e apática.
Entrou no elevador apressado e se recostou à parede escorregadia e espelhada, seus cabelos brancos refletidos como prata, o paletó preto de sempre, os sapatos engraxados, as marcas da vida estampadas em cada célula de seu corpo, cada esquina da alma.
Apalpou os bolsos até os dedos encontrarem o metal frio das chaves, abriu a porta do velho apartamento escuro, encontrou lá o mesmo nada de sempre, o cheiro de nada que permanecia contra sua vontade, a presença de nada, que o maltratava quando a voz sumia levando consigo todo aquele tudo, em todos os cômodos, seu nada estampado por cima de tudo que ali já foi vivido, cobrindo até mesmo as fotos que vez por quando abaixava para que elas não o vissem chorar.

"Boa noite meu amor"

Jogou o corpo por cima do colchão de molas, permaneceu na mais pura inércia, em sua profunda contemplação do nada, em sua decadente rotina que lhe fazia companhia substituindo o espaço que foi deixado, substituindo eventualmente até mesmo o nada, uma genérica substituição de tudo que já ocupou aquele lugar.
O lugar ao seu lado na cama.

"Até amanhã"

-Até.

Tirou os fones de ouvido despedindo-se da voz por hoje, beijou o retrato que repousava em sua cabeceira com seus lábios secos pela idade, pelo cansaço, queria partir hoje com os sonhos refletidos nos olhos dela.

Finalmente dormiu, por hoje não mais fingiria agradar o nada que um dia fora tudo para ele.

Sonhou com pés, delicados, femininos e enrugados pela idade, sonhou com suas unhas, seus braços, orelhas e nariz.
Sonhou com os cabelos tingidos, as sobrancelhas finas, as rugas que cavavam seu rosto.
Sonhou com olhos embaçados, busto, lábios e nuca.
Sonhou com ela, muda e incompreensível com a voz roubada.
Sonhou vermelho e negro.

No dia seguinte acordou afoito com o sol, ainda vestido em seu paletó preto e com os sapatos já não tão brilhantes, pegou as rosas vermelhas de todos os dias na floricultura, escreveu o mesmo bilhete com o eventual “Eu te amo, sinto sua falta minha querida", fez o mesmo caminho de sempre, levado pelos mesmos pés de sempre, nos mesmos sapatos de sempre que hoje por descuido de seu cansaço não estavam apresentáveis como sempre, repousou o buquê na grama orvalhada e colocou os fones e apertou o play.


"Bom dia meu amor"

07 setembro 2010

Roupa Intima

Engraçado.

Estava sentada no trólebus, pra quem não sabe o que é um trólebus, é só imaginar um ônibus com fios, se você não sabe o que é um ônibus, ou você é um ET ou rico demais pra estar lendo esse texto... bom continuando, estava lá sentada e reparei como apesar de não ser, meu rosto passa a impressão de uma aparência simpática, até bondosa, claro, eu levanto quando algum velhinho entra e fica de pé ao meu lado, faço as ações de praxe que todo ser humano deveria fazer por um mínimo de consciência, mas não gosto de conversas, muito menos de pessoas.
Hoje enquanto ocupava a primeira cadeira do trólebus reparei que o motorista olhava muito para minha pessoa pelo retrovisor, sim pra você que não sabe o que é um trólebus/ ônibus e mesmo assim continuou lendo, eles têm retrovisores assim como os carros, ou como as naves espaciais deveriam ter, agora se nada disso faz sentido para você, imagine um jumento com um espelhinho, ou só imagine um espelhinho... isso é um retrovisor, e apos um tempo ele tirou os fones e começou a conversar comigo, sei lá, sempre respeitei aqueles avisos de "não converse com o motorista" mas aquele parecia não querer nem saber de tais avisos, não sei se por que o dia estava chuvoso, era feriado, ou se minha cara estava realmente muito feliz, refletindo tudo que eu estava sentindo, mas as pessoas, que eram na verdade estranhos uns para os outros estavam simpáticos e amigáveis principalmente comigo, até que é claro entrou uma velhinha e eu levantei e fui mais para o fundo.
Ai sim um pensamento engraçado me veio à mente, todos aqueles estranhos estranhamente amigáveis que estavam a minha volta, alguns muito entretidos com o próprio mundo, outros perdidos as margens de outros mundos que viam ou imaginavam em outros estranhos assim como eu, me viam normalmente, uma menina com o cabelo preso, jaqueta meio molhada de couro, jeans e um par de all star brancos nos pés, ta... Sem mentir... eles foram brancos um dia, hoje essa cor já não podia mais ser aplicada aquele cinza encardido que realmente cobria eles, mas será que eles imaginavam que por baixo da jaqueta e da camisa que eu vestia eu usava um corpete de renda preta? Ou será que eles imaginavam algo normal, bege talvez? Será que nenhum deles nem chegou a formatar o pensamento? Será que alguns chegaram a pensar como eu passei a noite, onde? Imaginei se todos os estranhos soubessem do tal corpete de renda, que agora esta para lavar apesar de ter ficado tão pouco tempo comigo, como eles passariam a me tratar, será que o motorista falaria comigo no mesmo tom? A velhinha a quem cedi meu lugar sorriria com a mesma inocência para mim? A moça que estava sentada atrás de mim com o filho no colo ainda olharia para mim com aquele olhar de quem sente falta da própria mocidade, se vendo refletida no meu sorriso, ou talvez em meus olhos...
E quantas como eu já não passaram por lá, vestidas normalmente, mas com seus corpetes e lingeries rendadas e sensuais por baixo daquelas roupas casuais, quantas já não esconderam os mesmos "segredos" abaixo da superfície de pano que cobria seus corpos?
Quantas haviam lá naquela hora.
E então criou-se o monstro, comecei a reparar em todos estranhos em seus mundos e em mundos alheiros e imaginar suas roupas de baixo, suas noites, vidas, comecei a criar diálogos com namorados e amantes secretos, aventuras e risos com amigos imaginários, comecei a recriar a vida de todos aqueles estranhos estranhamente reunidos no trólebus em um dia chuvoso de feriado.
Até que um lugar ficou vago e rapidamente joguei meu corpo no assento, a moça que estava ao meu lado era cega, sua bengala estava encostada na janela ao seu lado, mentalizei maldosamente "Ta explicado da onde veio a coragem de usar essa roupa”, deixei bem claro no começo do texto, não sou bondosa, nem simpática, mas depois de um tempo minha cabeça fundiu em um pensamento, se todas aquelas pessoas pudessem ver o corpete de renda preta aquela moça seria a única a me tratar sem diferença nenhuma do que me trataria antes, não por uma bondade extrema ou por que ela seria mais evoluída espiritualmente do que os outros, mas simplesmente por que ela não iria ver, e o mesmo motivo que levou ela a colocar aquele gorro horrível seria também responsável por ela não me julgar uma vadia pela minha roupa de baixo, ela desceu após alguns pontos e eu ofereci ajuda para ela desembarcar, ela agradeceu com um sorriso e saiu.
A única pessoa que não me tratou bem ou sorriu pela aparência suave que meu rosto carregava e a única que não mudaria nada se eu simplesmente tirasse a roupa e mostrasse o corpete de renda.

Deus... O que um lingerie não pode nos levar a pensar em uma terça chuvosa às dez da manhã.

30 agosto 2010

S.C.


Ela mantinha os olhos perdidos na própria insensatez, raramente os fixava em algo para recuperar um pouco da sanidade desperdiçada; Era o verdadeiro caso da menina que enlouqueceu e padeceria de livre submissão ao seu amor.
Todos os dias sua rotina era idêntica, acordava já cansada, via-o em sua frente, sorria, chorava e tudo antes mesmo das dez da manhã, sabia o quanto seu toque lhe fazia mal, mas ainda assim como uma viciada acomodada em sua vida puída que a afastara de toda existência que conquistou fora dele, persistia para enfim morrer mais um pouco, sumir mais um pouco, se perder mais ainda dentro de seu próprio corpo vendendo-se a ele em troca da endorfina que ela se negava a receber de outras almas.
Sua boca se rasgava em um sorriso mal encenado enquanto seus olhos gritavam por socorro, nada mais lhe bastava e a menina deixou por vez tudo para trás ou em segundo plano, deixou-se em segundo plano para poder sorver dele as migalhas que este lhe atirava com os punhos fechados.
E então começaram os remédios, e a menina ainda se negava a enxergar que era capaz de viver sem ele, era fraca por própria vontade, se fazia de frágil para não encarar a vida, se matava por um otário que nada perdia enquanto permanecia onde estava, por alguém que quanto mais lhe via morrer dentro dos próprios olhos, mais sorria e se inflava do que ele chamava de vida.
Amor não é isso menina, menina que eu já tanto amei, e ainda amo apesar de tudo, amor é sacrifício, palavra que a muito já fora excluída do vocabulário de seu pequeno adorado.
Sua vida vale mais do que um punhado de calmantes por um retardado que simplesmente é egoísta demais para ver o quão mal lhe faz.

Não morra por ele, não mate a minha menina por tão pouco, por todo esse nada que fede a putrefação e que você ignora pela necessidade de ter a ilusão do que um dia chamou de amor.

Pretérito do infinito futuro.

As seguintes palavras não possuem alvo fixo, ou talvez possuam, e nelas deixo transcrever meu pedaço mais "rose".

Não tenho certeza de onde estas brotam, das ancas, do braço, podem provir até do pulmão, quem sabe? Ou talvez da parte que reluta e nega a afirmação de que tais silabas escaparam-me do coração.
São simples, da simplicidade mais complexa na semente de algo que pode se fazer brotar dentro de si, de mim, de tu talvez? De nós? Não estas estão mais para o infinitivo, perdoe-me digo imperativo, ou somente do improvável?
Falo das viagens que teus dedos fazem em meus mares vinhedos? Envinharados?
Ah que se dane, em meus mares de vinho, que hora se encontram escarlate outras acobreados, ou até em tons dourados dignos das infinitas plantações de trigo.
Tais viagens que igualmente percorrem meus vales nevados, trêmulos, rosados, viagens que permanecem e eventualmente me fazem estremecer dentro de minhas roupas, que cobrem os caminhos por onde dito às placas que lhe guiarão por minhas terras, imperativista de minha parte? Não, vejo mais como uma carência crônica posta no futuro, passado e presente por teus pés em células minhas, nem que enfim eventualmente se migrem a meus neurônios.
Viagens estas que necessito para apagar cicatrizes provocadas pela dona de tais terras e não por outros viajantes assim como ti, cicatrizes que rogam por tuas pisadelas.
Apesar da carência necessitada também de teus caminhos sei que não passamos de viajantes e isto até minhas ancas, donas ou não destas palavras, sabem, viajantes vem e vão, andam e exploram-se mutuamente e ao fim seguem outros caminhos.
Raros são aqueles que fixam moradia pelos caminhos já desvendados, sem a emoção da descoberta que é o motivo de todos os outros partirem em busca de novos brilhos, em outros vales, outros mares.
Temo descobrir eventualmente o eco do silencio que a ausência de teus passos me causará, porém, em desvantagem, mas ainda existente, temo a possibilidade de nosso presente jamais se transformar em pretérito imperfeito, ou quem sabe algum mais do que perfeito.
Assumo meus medos e indecisões no infinitivo, porém não me deixo ser engolida por estes impedindo-me talvez de algum futuro atemporal qualquer.

01 agosto 2010

Madrugada


Sem saber pra onde ir, ele persistia e caminhava, seus passos cambaleantes eram teatro aos olhos do luar, seu riso que se perdia em redemoinhos de ar era doce e suave, relembrava o passado tão distante de segundos atrás.

Um perfume, um olhar, um teco de perna por debaixo do longo vestido de chita, os cabelos presos numa trança e a infantilidade de mulher presa num corpo que não era mais uma criança.
Seus olhos sorriam, mais ainda que os próprios dentes, brilhavam competindo com a malévola lua que cobria o campo desnudo por onde vagava, sentia-se leve, seus ossos poderiam voar se não fosse toda carne a manter-lhes no chão, exalava em si o aroma dela, via em si seus gestos, sentia em si sua presença.
Negava até ao vento que tudo que guardava no peito era o pobre e vulgar amor que todos lhe atiravam como única alternativa, negava a si mesmo o fato de estar apaixonado, aquilo não era amor, não era nem ao menos tesão, era algo que não podia explicar, algo novo que o mundo jamais vira, algo que nasceu no minuto em que pôs os olhos nela, algo que vai morrer no segundo de seu ultimo suspiro.
A grama orvalhada roçava em sua perna, sentia os pés gelados, os sapatos velhos balançavam em seus dedos, a camisa aberta mostrava a pele morena banhada pela brancura incurável do luar, sabia que era incurável aquilo que sentia, não tinha o mínimo desejo de curar-se de toda aquela baderna que crescia dentro de si.
Fechou os olhos.
Suas mãos agora estavam na cintura dela, por cima do tecido ainda era capaz de sentir a suave curvatura do quadril, sentia suas pernas enroscadas com as suas, seu pescoço tão perto de seus lábios, sentia sua respiração agitada pelo ritmo da dança.
Fez-se silencio.
Sem mais quadril; Sem mais pernas; Sem mais pescoço.
A menina com desenvoltura de mulher agora sorria-lhe por trás do ombro afastando-se cada vez mais.
Perdeu-se em uma multidão de infindáveis olhos, infindáveis risos, uma imensidão robótica e impenetrável.
Procurou seu olhar em todas outras, seu aroma, até mesmo seu riso, mas foi incapaz de achar a mulher que recusava-se a amadurecer, em um corpo tão maduro.
Saiu pela porta dos fundos tirou os sapatos e andou, riu da ironia do destino, amaldiçoou a própria burrice.
Seus olhos abriram-se lentamente e uma estranha claridade invadiu de súbito seus pensamentos, a sua frente avia a lua, um farol de carro e por cima do capô a menina do vestido de chita.
Entrou no carro, deu-lhe um beijo e dirigiu até em casa a tempo de dar aos filhos seu beijo de boa noite

Retratação

Ela parou e sentou-se, olhou para ele com remorso raiva e compaixão, trazia junto a si um pedido de desculpas, aguardava o seu ser entregue há tempos, no fundo sabia que ele não viria.

Sentiu a dor das palavras que não queriam lhe escapar da garganta, sentiu o sufoco que o ar lhe proporcionava a cada nova rítmica respiração, sentiu suas unhas a fincar-lhe a pele, seu corpo congelar mediante tão estúpida situação; Conhecia-se muito pouco, aos outros menos ainda, era nova, inexperiente, de todo quadro que via agora diante de si conhecia apenas a dor que já lhe fora constante em outros tempos.
Ultimamente em seu peito nada mais lhe pesava, o ar entrava e saia naturalmente sem maiores obstáculos impostos por seu psicológico, andava se sentindo leve, nova, inexperiente.
Lembrou-se da infância, do tempo em que era despreocupada com a roupa que usaria ou com que cor estaria seu cabelo semana que vem, lembrou-se de todo riso que dera só por estar viva, só por que achara uma árvore bela, ou por um raio de sol refletido nas gotas de chuva, lembrou-se do tempo em que seus medos eram simples, eram apenas medos de criança, do tempo em que nada poderia atravessar o colo de sua vó ou a lã de seu cobertor, lembrou-se que as memórias com ele nesse tempo também eram escassas.
Não havia nenhuma dor dentro dela mas mesmo assim a menina chorou, levou a mão ao rosto e tocou aquela pobre matéria que cobria sua alma, sentiu a umidade que as lagrimas lhe causaram e sorriu.

Ainda estava viva.


Levantou-se e jogou algumas rosas sobre a grama onde seu pai agora repousava, uma delas continha uma lagrima sua, não uma lagrima de saudades, mas sim uma que derramara pelo pobre homem que viveu e escolheu deixar apenas sua filha crescer.
Seus passos não ecoaram na saída, ninguém notou sua presença, seu alivio não ficou estampado na memória de ninguém, era algo só dela e agora também de seu pai.

04 julho 2010

Sem Titulo.

Ela estendeu os braços e assim abraçou o mundo, com seus gélidos dedos entrelaçou-se a toda vida que recobria o globo que agora repousava sobre sua pele, agarrou cada milímetro que via diante de si, sua pálida pele em uniforme contraste com todo brilho colorido que irradiava da gigantesca bola calmamente aconchegada em si.


E assim agarrada ao mundo ela foi sorvendo-lhe toda magia, sugou-lhe toda vida, furtou-lhe toda cor, era sua agora toda vitalidade e beleza que antes o mundo escondia em seus infindáveis labirintos, em suas veias corriam as águas de seu oceano, em seus olhos se via o brilho de todas suas raridades, em sua pele sentia-se toda suavidade de suas nuvens, em sua alma todo calor de todas as almas que agora á pertenciam, todos os olhos que agora nadavam e viam por trás de sua Iris.

Agora aquela pálida menina tinha em si todas as cores do mundo e o globo acinzentado ainda se mantinha em seus braços e novamente se contrastava com sua pele que brilhava com uma luz que dentro de seu nada continha todas as nuances inventadas por sua própria natureza.

Subitamente a menina que agora era constituída de tudo do que um dia fugiu, feita de todas suas belezas, dona de todos seus medos, se sentiu vazia, e o vazio que antes era acanhado e fraco dentro de seu nada, o vazio que costumava se esconder nas esquinas de seu corpo agora se fortalecia e alastrava por todas suas terras, dentro de todo seu todo seu vazio se tornava tudo e quanto mais vida a pequena menina sorvia do mundo mais seu vazio crescia a dominava e assim a menina chorou, permitiu-se entregar-se a tudo que a consumia, permitiu sua pele sorver cada lágrima que despejava no mundo cinzento em seus braços, permitiu sua terra sorver-lhe a vida de suas lagrimas, permitiu se transformar em vida e os dedos que antes agarravam com toda vivacidade o globo cinzento agora se infiltravam na própria pele, em suas próprias terras, e assim a menina que sorveu pra si toda vida do mundo se tornou ele próprio, consumida cada vez mais por seu vazio preencheu-o com suas lagrimas e entregou-se despencando infinitamente por seus ares.

25 maio 2010

Capitulo Dois

Ouço o baque de meus pés no chão, meus olhos permanecem fechados, mas sou capaz de sentir a claridade avançada do dia que se infiltra pela janela, levanto-me do desconfortável sofá e caminho até a cozinha, sinto cada músculo de meu corpo se contorcer de dor a cada mínimo movimento que faço, abro as maciças portas da despensa, café, cigarros.


Aqueço a água enquanto a fumaça do cigarro se instala em meu sistema nervoso relaxando-me instantaneamente, o cheiro da amarga cafeína envolve todo ambiente, enquanto gozava de tal situação um baque surdo se fez audível no andar de cima.
Como que coladas todas as imagens da noite anterior reapareceram em minha mente, o carro, os cabelos de fogo, o edredom.
Apresso-me escadas a cima e entro no pequeno quarto com silencio mais barulhento de toda minha vida, a cama jazia vazia, porem um corpo esquelético e comprido fitava a janela agora aberta com o vento gélido a lhe banhar a carne, o fino vestido colava em seu corpo e não pude deixar de notar que apesar de magro possuía boas curvas e belas coxas, seus cabelos esvoaçavam em minha direção como um mar de pétalas de rosa, o ar continha uma essência a qual julguei ser seu perfume, cítrico porem levemente doce, não era igual a nada que já sentira.
Pigarreei porem o corpo permaneceu imóvel encarando eternamente à feia vista do segundo andar de meu pequeno refugio me aproximei, agora não mais tentando esconder as evidencias de minha existência, pisava de maneira que poderia ser considerada grosseira no piso de madeira esperando assim que minha convidada se virasse em minha direção, não sei por que, mas não desejava tocar sua pele, algo dentro de mim sentia repulsa daquela brancura excessiva, quase mórbida.
Tendo andado quase todo percurso entre o batente e o saco de ossos pousado verticalmente a minha frente, ergui suavemente os braços com precaução de não deixar transparecer o receio que escondia por trás de cada gesto.
As pontas de meus dedos roçaram o tecido azulado que cobria seu ombro ossudo e angular.

-Com licença, você esta bem?

Senti a massa mole de seu corpo derramar-se sobre o assoalho, gemidos de medo e dor se propagavam pelo quarto, dei um passo para trás como que se estivesse me precavendo de qualquer ato que aquela pobre criatura pudesse proferir contra mim, analisando rapidamente a idiotice de meus pensamentos me aproximei suavemente sem tocar-lhe o corpo.

-O que aconteceu com você? - Sua cabeça se levantou e os mortíferos olhos castanhos me penetraram a alma feito milhões de adagas a me destruírem o corpo, nunca poderei exprimir todos os sentimentos expressos em tão pouco contato visual; Dor, medo, raiva, ironia e por fim alivio.

Ao ver meu rosto seus olhos se reviraram nas orbitas e o tronco, antes ereto, despejara-se novamente no chão frio, peguei seu corpo, agora sem mais repulsa da pele azulada que pulsava por entre meus dedos, re-acomodei o pequeno peso por entre as cobertas e desci para tomar meu café, vi o cigarro que antes fumava, exercitando a meditação que a pequena maravilha causava sobre mim, agora atirado no chão e apagado, me arrastei até o balcão e acendi outro.
Após terminar minha xícara de café subi até o quarto para verificar a situação em que se encontrava a pequena.
Em todo esse tempo a mínima cogitação de lhe chamar um medico não havia se quer ocorrido em minha mente, talvez pelo fato de que não poderia explicar por que um escritor que supostamente deveria estar falido e morto estava abrigando uma indigente que achará em um beco uma noite atrás.
Logicamente a idéia mais sã seria ter guiado a pequena até algum hospital ou coisa do gênero, até mesmo um hospício seria mais bem aceito do que a própria cama, mas minha mente bloqueava tais possibilidades, as anulava como que completamente improváveis por motivos que até mesmo eu desconhecia.
Enquanto minha mente divagava sobre as implicações de guardar tal fardo entre minhas cobertas, o mesmo apresentou leve movimento entre elas, subitamente seus grandes olhos castanhos se abriram e com terror fitaram todo o mundo a sua volta, como se os minutos anteriores não houvesse sequer existido o olhar da pequena cairá sobre mim, adiante-me suavemente em direção a cama, tentei, talvez inutilmente, manter minhas feições suaves assim como meus gestos.

- Não vou machucá-la. - Minhas palavras saíram suaves, sem nenhum toque de cinismo que pudesse assustá-la- Você foi despejada, encontrei seu corpo em um beco.

Seus olhos pareciam confusos, não se lembrava de nada.

- Está com fome?

Sua cabeça mecanicamente balançou negativamente ainda com o medo que explodia de cara poro de seu corpo.

- O que fizeram a você?

Subitamente lagrimas de puro pânico surgiram em seus olhos, seu pequeno corpo se encolheu ainda mais sobre a cama que agora parecia gigantesca em contraste a ele, era como se ela fosse cada vez mais engolida pelo pesado edredom que a cobria, lentamente sentei-me em um canto distante da cama, sem movimentos brutos idiota, sua boca se entreabriu e a suave melodia de sua voz agora me entoava os ouvidos.

-Alguém sabe que estou aqui?

- Não

- Quem é você?

- Julgando que você esta em minha casa, deitada em minha cama acho apropriado saber primeiro quem é você.

- Meu nome é Eliza.

- Bom Eliza, meu nome é Marcus.

- Obrigada, tem café?

- Claro, eu vou pegar isso e mais alguma coisa para você comer antes que desapareça.

Levantei-me e desci as escadas, o bule estava vazio, rapidamente acendi um cigarro e fiz mais um pouco do maravilhoso liquido negro, peguei algumas torradas e um pouco de geléia, era tudo que havia na geladeira, subi.
Ela repousava na cama com os olhos fechados, ressonava com o pesado sono em que havia caído, deixei em cima do criado mudo as torradas e a geléia, a xícara de café rapidamente esvaziei em um só gole, desci novamente até a cozinha enchi um copo com água e subi até o quarto, depositei o copo cheio ao seu lado e abandonei o recinto.
Olhei no relógio, quatro e cinquenta e sete, o tempo não passou, voou.
Caminhei preguiçosamente até a sala e fitei as botas sujas que continuavam no chão, me sentia cansado, recostei-me no sofá agora dando os últimos tragos que aquele pequeno cigarro me proporcionava, dia cheio; Pensei em andar até algum café pobre e arranjar algo para comer, mas meu corpo se recusava a executar todo e qualquer movimento, apesar da exaustão física minha mente trabalhava incansavelmente, tantos foram os pensamentos que me ocorreram que nenhum deles se fixara claramente em mim, de tudo que maquinava a única coisa que tenho recordação era de que precisava desesperadamente de outro cigarro.

20 maio 2010

Capitulo Um.

Meus passos seguem ecoando contra o frio concreto da calçada.

Sigo por ruas estampadas de sujeira e esquecimento, meus dedos roçam levemente as paredes, sinto os segredos e imundices as quais aqueles pobres tijolos já foram platéia.
Mulheres com a face excessivamente pintada e uma falta ignorante de roupas se escondem pelas sombras de ruelas, esperam silenciosamente por homens sedentos e embriagados que as usarão, sentem prazer com a rotina sórdida na qual se entregaram, gozam dos prazeres da imundice, aliviam-se no álcool, vêem a si mesmas como a podridão necessária da sociedade, orgulham-se por prestar favores tão árduos a nosso mundo.
Não permito meu olhar vaguear por tais corpos, resisto a todo e qualquer chamado que me atraia, fujo das tentações da carne abrigando-me sobre as quietudes do espírito.
Viro algumas esquinas, ando aleatoriamente por onde meus pés se permitem ir, finalmente sinto o silencio a me invadir, gozo do sentimento de solidão no qual me infiltro, meus dedos procuram o maço de cigarros em meu bolso, acendo o isqueiro, a pequena chama se faz claridade por entre a escuridão da rua, meus passos seguem continuamente, apesar de uma leve desaceleração quase imperceptível causada pelo efeito do tabaco que se prende a cada célula de meu corpo relaxando meus músculos pouco a pouco.
Alguns metros à frente ouço o barulho forçado de um pequeno cabaré, o cheiro de perfume barato e álcool se intensificam a cada passo, meus instintos naturais guiam-me até a porta, uma placa de neon vermelho tinge tudo ao seu alcance de rubro sangue, um homem forte e mal encarado repousa ao lado da pequena porta pela qual saem os gritos de excitação do pequeno publico que se encontra nos interiores de tal espelunca.

- Como vai ser camarada? Veio para ver a atração especial?

As palavras do homem, o qual a existência já parecia nula enquanto inconscientemente meus passos se cessaram e meus olhos vidrados fitavam a luz escarlate do neon que contornava as letras de meu desejo, me despertaram de tamanho transe que tomara por completo meus sentidos.

-Não obrigado, talvez na próxima vez- Mecanicamente obriguei meu corpo a ir em frente, o esforço de postar cada pé a um distancia mínima do local era quase insuportável.

-Tem certeza? Uma mulher dessas a gente não vê todos os dias.

Meus olhos então encontraram um cartaz pobre colado ao lado do homem, uma mulher já madura, porém bonita de cabelos loiros tingidos e sobrancelhas negras posava em um lingerie vermelha de um tom desbotado perto de seu batom chamativo sobre a pele morena de sol tinha curvas bonitas e um olhar sedutor, suas pernas estavam entreabertas e insinuava mostrar o pequeno e frágil sexo para os pobres trabalhadores que durante dias economizariam tostões do pão para ir ver tal mulher que os encarava no cartaz colado na decadente parede.

-Não obrigado.

Prossegui o caminho de meus passos, agora porem mais naturalmente, não era capaz de decidir se o sentimento que agora inundava meu peito era formado por decepção ou alivio.
Acendo mais um cigarro, essa merda vai acabar por me matar um dia, mas não vejo coisa melhor agora do que sentir a seca fumaça se espalhando por minha garganta e finalmente chegando a meus negros pulmões que filtrarão toda magia que aquele pequeno veneno despeja sobre mim.
O som do pequeno cabaré se afasta cada vez mais levando consigo o sabor da luxuria que me tentava os nervos.
A quietude era tanta que não sabia dizer se se passaram minutos ou horas, mas finalmente entrei em um pequeno beco que tinha como única fonte de luz um lampião que ficava exatamente no meio de seu percurso, hesitei em continuar pelos paralelepípedos mal colocados no chão, mas algo que ia alem de minha consciência fez minhas botas continuarem passo após passo, apesar de ser um homem pesado a lodosa umidade que habitava o chão tornava-me completamente silencioso, fazia parte das sombras agora e a única coisa que me destacava em meio a todo negro que me rodeava era a fraca claridade de uma nova bituca de cigarro que se acomodava gentilmente aos meus lábios.
Subitamente ouço o ronco de um motor a cortar o mortal silencio que repousava no ar, um carro negro vinha rapidamente em minha direção pelo beco, estava a poucos passos do circulo iluminado que o lampião projetava no chão, mas as sombras ainda guardavam-me como partes necessárias de si, instintivamente joguei o cigarro no chão apagando o único indicio de minha existência por entre tudo que me rodeava.
O grande carro, de modelo que não me transferiu nome algum a memória, parou exatamente sobre o circulo, se desse mais dois passos e esticasse minhas mão seria capaz de tocar o metal polido de sua carcaça, suas portas se abriram violentamente e de seu interior foi despejado um corpo.
As portas se fecharam e partiram junto com o motor que quebrava a paz de meu silencio, porem o pequeno corpo continuava jogado por entre as pedras lodosas do beco.
Seus cabelos de fogo cobriam-lhe as faces, a pele excessivamente branca contrastava contra a sujeira que cobria certas partes de seu corpo, estava sem roupa de baixo, usava somente um leve vestido azulado com um grande decote em renda, meus instintos gritavam em minha cabeça para que continuasse a andar, porem me dirigi até o circulo luminoso e coloquei meus dedos do lado esquerdo do pescoço da pobre criatura, não deveria ter mais de 18 anos, tinha um rosto bonito via agora que tirara os fios vermelhos de sua face, tinha batimento.
Ajeitei-lhe o vestido e tentei erguer-lhe do chão, era leve, seu peso quase insignificante em meus braços, sua inconsciência me perturbava, sai do beco e me dirigi ao centro da cidade, não avistei alma viva durante o logo percurso e o único som que era capaz de ouvir eram meus passos e a fraca respiração da pobre criatura aninhada em meus braços, me dei na mesma rua deserta da pequena espelunca que tinha como atração principal a loira de lingerie vermelha, um taxi esperava um senhor de meia idade com um paletó de segunda sair de seu interior para a luxuria que o esperava por trás da porta que se abria como uma boca entre a luz vermelha fiz sinal para que o motorista me esperasse e me apressei em direção ao pequeno carro.
Um homem de cerca de 40 anos, cabelos grisalhos, bigodes fartos e incrivelmente negros guiava o taxi, não me perguntara nada da pequena, apenas me levara até o endereço que soturnamente lhe disse, ao final da corrida joguei uma nota de 50 no banco da frente e lhe disse que ficasse com o troco.
Entrei pela porta de madeira, o silencio reinava por entre tudo que me cabia a vista, subi as escadas até meu quarto, repousei o pequeno corpo sobre a cama, haviam algumas cobertas no armário, abri as portas e encontrei um velho edredom que não via há anos, agarrei o tecido semi puído e cobri a massa de carne e ossos que respirava calmamente.
Desci até a sala, não tive coragem de acender luz sequer, no breu acendi um cigarro e me servi de um copo de algo forte, o liquido quente me desceu a garganta revivendo tudo que jazia morto e frio dentro de meu corpo, joguei meu peso sobre o velho sofá tirei as botas enquanto terminava o cigarro, procurei pelo maço novamente, vazio.
Fechei meus olhos e cai lentamente na inconsciência.

04 maio 2010

Dezessete e Vinte.





Abro os olhos.

O azul degradante do céu aos poucos some sobre suaves nuances rosa e lilás.
Minhas mãos inutilmente procuram teus dedos na curta extensão de cama que se amplia por trás de minhas costas.
Já é tarde.
O relógio marca dezessete e vinte; O tempo para.
Sentada sobre os lençóis meus olhos rondam o quarto em busca de vestígios teus, um pequeno papel amarelo repousa relaxadamente sobre o pequeno criado mudo, noto amargamente tua caligrafia apressada e feia.
Meus olhos lêem e relem a pequena frase estampada sobre o fundo chamativo milhares e milhares de vezes.
Passa-se um segundo.

- "Perdoe-me, mas já não sou capaz. Adeus."

Meu coração congela e para assim como o tempo.
Mais um segundo.
Permaneço catatônica com o pequeno Post-it pousado na palma de minha mão aleatoriamente jogada sobre a cama.
Passam-se dias.
O ponteiro vira mais um segundo.


Abro os olhos.

Encaro o monte que dorme silenciosamente diante de mim.
Com as cobertas puxadas até a cima da cabeça teu sono divaga por mundos abstratos e pacíficos que nada tem de realidade.
Já é tarde, dezessete e oito.
Noto um pequeno papel amarelo sobre o criado mudo.

-"O tempo é eterno assim como meu amor por ti."

Rasgo minimamente o papel e atiro suas réstias pela janela a qual largo aberta com o cortante vento entrando e esvoaçando glacialmente as cortinas.
Beijo-lhe a nuca sobre a grossa camada de tecido que lhe protege.
Teu corpo não sofre nenhum movimento, tua respiração aconchegante prossegue mecanicamente.
Meus dedos agarram outro Post-it idêntico ao que despedacei.

-"Perdoe-me já não sou capaz. Adeus."

Rapidamente jogo-o sobre o criado mudo, com medo que talvez meus movimentos lhe despertassem.
Sempre amei tua mania de deixar-me pequenos recados espalhados pela casa durante tuas eventuais ausências.
Pego algumas coisas e saio.
Sinto que o baque da porta lhe acordara; Talvez seja apenas minha consciência.
Olho para o céu, para uma bonita tarde gélida que agora banha-me o rosto com teus doces aromas de podridão.
Olho o relógio.
Dezessete e vinte.
Ando durante algum tempo sem rumo por ruas que antes me soavam tão familiares.
Ando por um mundo estranho, por algo novo que já me fora tão normal.
Meus pés param sobre a calçada; Chamo um taxi.
A noite já caíra, culpo-me dolorosamente por não ter lembrado de pegar um casaco.
De não ter fechado a janela.

- Para onde senhor?
-Como?
-Para onde senhor?
-Desculpe, mas, do que me chamou?
-Senhor, por que algum problema?

Vejo de relance meu reflexo no espelho retrovisor.
Saio do taxi, deixo tudo que trazia comigo, mas no taxi só ficara minha pequena maleta e os ecos dos distantes gritos do taxista que me lembram de tal objeto.
Corro novamente pelas mesmas ruas; Ruas as quais segundos atrás me eram tão indiferentemente estranhas, mas que agora riam de meu súbito desespero.
Paro.
O cansaço e as facadas que o ar gelado da noite produz sobre mim me fazem tombar.

Abro os olhos.

Olho o céu que já escurece em volta de tudo que me cabe a visão.
Já é tarde.
Dezessete e vinte.
Olho para os lados, nada.
Um pequeno papel amarelo atrai minha atenção no quarto seminu e despido de cores fortes.
Não tenho coragem de arrastar-me até o pequeno criado mudo, perco totalmente toda minha força, não me mecho, muito menos respiro.
A porta bate.
Instantes depois teu corpo se junta ao meu na cama, teu semblante encontra meu toque sedento.
Sinto as marcas que o frio fizera em tua face, sinto partes úmidas perto de teus olhos.
Teus dedos escorregam até o chamativo Post-it e o rasgam.
Teus pequenos pedaços voam janela a fora, o vento que até este instante não tinha notado se interrompe abruptamente quando teus braços escorregam pelas laminas de vidro fechando-as.
Teu corpo forte encontra o meu novamente da pequena cama.

-Por que você fez isso? Não havia lido aquele ainda.
-Não eram nada, apenas algumas anotações bobas- Tua voz quase imperceptivelmente se altera à minha observação.
-Hum, já volto, vou pegar algo para comer na cozinha estou faminta.
-Deixe que eu vá.
-Não!- Recupero o controle sobre meu tom - Não sei bem o que quero e alem do mais você esta congelando, vá tomar um banho.

Teu doce riso flutua até mim aquecendo-me por dentro.

-Está bem, mas sob a condição de que você ira se juntar a mim.

Esboço meu melhor sorriso e lhe digo que é uma condição mais do que justa.
Enquanto teus passos lhe guiam até o banheiro encontro os últimos vestígios de coragem dentro de mim.
Ouço o baque surdo da porta e instantes depois o ruído suave da água quente caindo sobre os ladrilhos.
Agarro meu casaco, minha carteira e minhas chaves; Saio.
Ando por minhas ruas, não passo de uma insignificância diante de tudo que vejo.
Meus braços se levantam fazendo sinal para um taxi que passava.

-Para onde senhora?

Suspiro ao escutar aquela voz tão rude a dizer palavras tão educadas a meus ouvidos, palavras agora dirigidas a mim.

-Não sei bem.

Sinto o olhar confuso do homem que me encarava sobre os ombros enquanto saia calmamente do taxi
Sigo o caminho por aonde meus pés levianamente me conduzem.
Olho a frente.
Estou em casa.
Penso em ir até a porta, entrar, correr até o quarto me infiltrar em teus braços, e mentir aos teus olhos cansados.
Sigo em frente.
A luz do que um dia chamei de lar cada vez mais fraca sobre o longínquo horizonte.
Sinto tudo que deixe para trás.
Continuo em frente.


20 abril 2010

Duplicidade.

Morbidez.

É tudo que sou capaz de sentir.
Vejo-me levemente mais feliz em tua ausência.
Mas permaneço mórbida.
Meus Olhos procuram os teus.
Minhas palavras as tuas.
Minha alma é fraca demais para se tornar uma sem tua presença.
Como posso me sentir assim por alguém como você?
Como sou capaz de amar alguém que não me considera o suficiente para si mesmo?
Como me deixo desgastar tão facilmente por ti?
Como sou orgulhosa o bastante para lhe dizer que sinto tua falta.
Desta vez quem sumiu sem deixar o mínimo vestígio fora tu.
E como me sinto bem; Sim me sinto mais leve quando não tenho que carregar tua alma comigo.
Sinto-me mais capaz de sorrir sem teu sorriso ou tuas lagrimas me sombreando.
O que cresce agora, que se alastra em minha frágil cobertura humana é meu amor.
O amor que precisava para me fazer feliz sem ter-te ao meu lado, sem nem desejar-te junto a mim.
O amor que agora vejo florescendo e criando raízes dentro de meu peito aberto que mostra meu duro coração ensanguentado que antes morria a cada segundo, a cada batimento por ti, vejo nele fincarem-se as raízes de meu amor próprio.




Morbidez.
É tudo que sou capaz de sentir escrevendo-te estas palavras.
Sinto-me triste por estar perdendo uma das melhores partes de mim, a parte que com maior intensidade era capaz de te amar.
Sinto-me vazia por saber que parte de mim morre a cada letra que surge aos meus olhos pesados.
Vejo-me forte ao bastante para quebrar as correntes imaginarias ás quais me prenderam a você.
Correntes que existiam somente para mim.
Sinto a confusão que cresce a cada novo segundo sem tua presença.

Posso ver minhas lagrimas substituindo meus olhos por ti.
Posso ver meu amor me permitindo ignorar-te.

Posso ver que nada sou sem ti.
Posso ver o quanto cresci em relação a mim mesma em tua ausência.


Posso ver que preciso de ti.
Posso ver que sou capaz de andar com meus próprios pés.

Posso ver que ainda existem duas partes dentro de mim.
Eu, e a parte que furtei de ti para jamais esquecer-te.
Ambas mórbidas e frias por tua partida.

14 abril 2010

Seasons

"So let the seasons Begin "

Sim deixe minhas estações começarem dentro de ti, deixe minhas forças te dominarem e enfim abaterem o animal enjaulado que guardas dentro dos olhos.
Primeiro virão os fervores do verão que lhe aquecerão a alma, lhe tirarão da mesma indiferente rotina sórdida que já havia a muito lhe infectado os ossos.
Farei-lhe ver a luz de meu sol, deixar-me-ei brilhar dentro de ti, lhe darei minha luz para que possas andar na escuridão com o auxilio de meus raios a lhe guiarem.

E assim irão cair de tuas arvores minhas folhas de outono, meu gélido vento ira passar por teus suportes, lhe deixará vulnerável a meus poderes, minhas vontades, lhe farei temer meu inverno com um conforto materno e protetor, lhe farei um mimo dentre a morte que se desprende dos galhos nus das frigidas arvores, lhe farei meu eterno outono.

Com aviso prévio tu te preparaste para meu eminente inverno que finalmente chegara para matar as restes de si que ainda lutavam por existir dentro de tua carcaça, minha neve matava e apodrecia cada vestígio passado de existência, cobria tudo com uma infindável cortina branca que trazia a mudança em cada milímetro cúbico, que aniquilava todo seu eu tornando-te inteiramente mim, tornando-te meu.

Por fim vira minha primavera que plantara dentro de ti toda minha vida, tudo que já vivi agora também fará parte de ti, todas minhas dores e amores, tudo que vi, senti e vivenciei dentro de minha existência brotará dentro de ti, lhe farei experimentar meus sabores, minhas texturas, meus aromas, a vida que dizimara anteriormente em meu inverno agora recolocarei em ti, mas com leves toques de minha essência, claro que dentre as sementes escolherei o melhor e o pior de ti para semear terreno agora tão fértil, mas igualmente desgastado.
Colocarei teu eu dentro de ti, me colocarei dentro de ti, afinal minhas estações não só lhe transformarão em partes de mim, mas também me transformara eternamente em ti.






05 abril 2010

ESTREMA

Hoje me peguei lendo minhas próprias palavras e nelas encontrei um verdadeiro choque, ali escondida sobre letras e mais letras encontrava-se seguinte palavra "estrema”.

Muitos diriam que é normal um ser humano confundir-se em meio dos pensamentos diários, outros diriam este ser um erro incorrigível e por sua culpa e de muitos outros que hoje em dia nossa escrita é quase primitiva.
Honestamente não sou uma pessoa primitiva, muitos dizem que sou culta, pois passo a maioria de meu tempo enterrada sobre pilhas de livros, isso não me faz uma pessoa culta, se fizesse não escreveria "estrema" ou escreveria?
Não me considero esperta, nem ao menos diferente, sou comum, tão comum que dói aos olhos, sou comum e erro, sou comum e escrevo "estrema”, sou simplesmente comum.
Sou complexa, complexamente comum, simplesmente complexa, complexada talvez?
Errante, isso posso dizer não me refiro apenas a meu "estrema", mas em minha vida.
Passei inumeráveis eternidades errando, erro até hoje, sou constituída de erros, um ser errante que errando faz seu caminho certo.



Ao acaso me peguei hoje lendo minhas palavras e nelas achei escondido um "estrema".

"Estremamente" chocada com meus erros volto à vida para nela encontrar milhares de outros "estremos".

16 março 2010

Sandro Roberto de Oliveira.





Como um lapso, um sonho, você desapareceu ainda mais de minha vida.

Já não o tinha em meu dia-a-dia, você sempre fora como um guardião invisível, pois apesar de não ser capaz de lhe ver podia sempre sentir teus olhos e teu coração sobre mim durante tuas longas ausências, longas demais para a mente de uma criança.
Somente nós sabemos quantas brigas já tivemos, só eu sei quanto teu duro amor me ensinou e só eu sou capaz de dizer o quanto você me faz falta.
As poucas horas que passávamos juntos na antecedência de sua partida foram o verdadeiro começo de nossa amizade, morreria para poder transformar os minutos de hoje nas horas de antigamente.
Já fazem dois anos que tu partiste matando uma parte de mim , nunca pensei sofrer tanto ao perder o que tive por tão pouco tempo, sim já fazem dois anos e ainda sinto as lagrimas em meus olhos, o tempo não curou minha dor apenas a cristalizou.
Eu te amo tanto pai, sinto tanto tua falta, quero ter você aqui mais uma vez, mas o medo de lhe perder novamente é tão grande, o medo de que da próxima vez possa ser para sempre,se é que essa já não é.
Perdoe-me por todas as brigas, admitiria todos meus erros para ter teu sorriso cansado todos os dias ao meu lado, me perdoe toda dor que já lhe causei, apesar de tudo que tem acontecido você é meu exemplo, meu orgulho e jamais pense que sou capaz de lhe esquecer pois parte de mim você levou consigo quando saiu por nossa porta para prosseguir teu caminho.
E o que restou de mim sofre tentando reconstruir os pedaços restantes que por mais quebrados que estejam jamais irão parar de te amar.






07 março 2010

Abdicação

Não entendo por que ainda sinto a leve dor pendurada em meu peito, tudo que criei em mim foi falso.

Então por que acho que a realidade é capaz de se igualar a minhas alucinações?
Por que sinto o desprezo me torturando. E isso dói.
Por que sinto a indiferença. E isso dói.
Por que sinto a vida. E isso é o pior.
A criação de outros mundos dentro de mim é minha alternativa segura de permanecer feliz, minha morfina aliviando a morte degradativa de meus dias, a única coisa que me sustenta o tecido enquanto a matéria que os completava ali não mais habita.
Minha fonte de riso.
Minha queda.
A culpada por minha dor. Minha idealização supera todos os românticos de qualquer geração.
Gostaria de dizer que sonhar me faz bem, porem todos meus sonhos me levam a ruína.
Gostaria de dizer que sou feliz imaginando como seria minha vida, mas a realidade me abate aniquilando a vida existente dentro de meus olhos pouco a pouco.
Gostaria de dizer que isso tudo não e minha culpa, mas não sou capaz de mentir nessas  proporções pra mim mesma.
Por isso hoje abdico de meus sonhos, ou ao menos o faço ate a próxima esquina.

28 fevereiro 2010

Tsunami

Indiferentemente estável, metodicamente passável, surpreendentemente mutável.









Sinto as ondas ao meu redor, o sal me invade a boca e os olhos. Já não vago por aquela mente, já soa supérfluo dizer como me sinto, sou um tsunami, sou um grão de areia, sou o vento que cria as ondas, já não sou nada.

Sou parte disso.


Das ondas, de meu peso, minha dor.


De tudo do que fujo, mas por mais que eu corra não sou capaz de escapar, pois fujo de mim, fujo de meu próprio tsunami.


Fujo do que já fui e esqueço em quanto sou parte do sal do mar.


Fujo inutilmente de minha carcaça estendida sobre minhas ondas.


Fujo do que não sou capaz de aguentar, de minha humanidade, das cicatrizes que guardo como ouro junto a mim, de minha vaga sanidade, da dor que já não sou capaz de largar.


E isso me invade, me leva e trás, me tira de mim e me devolve as cinzas do que já fui me mostra a verdade , me compreende , sabe do que preciso cada movimento é friamente calculado  para se encaixar perfeitamente em minha alma, para me fazer o céu refletido em nossas águas me fazer sentir teus dedos em volta de minhas pernas, nossas correntezas me jogando como um peso morto em uma imensidão de lagrimas, me matando em cada gota, me fazendo tsunami.


Fazendo-me solidão, devasta e morta, fazendo-me milagre, verdade divina, fazendo-me quem sou humana cativa em seus pensamentos errantes e disléxicos, limitada e viajante nas águas do próprio mar.