"Existem Venenos Tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, temos que nos expor ás doenças que causam."

Oscar Wild.

27 maio 2014

Quintanando.

Queria ser assim como você, ter essa solidão natural que só você soube ter, esse acanhamento de não saber fingir direito e sussurrar meio embaraçado algumas mentiras no meu ouvido, quis as vezes ter você mais perto, te manter do lado de dentro pra te proteger do mundo, fui uma jaula de carne tentando segurar o ar e minhas grades só me mostravam o quanto era vazio aqui dentro.

Apesar de tudo não acho que tenha feito muita diferença, passei por ti como passo por todos os lugares. Sou dessas que costumam deixar alguns pedaços espalhados, por ai não sei, talvez tenha ficado um pedaço de coração, mas pode ter sido um pouco de pulmão jogado entre as cinzas do teu cinzeiro ou  até mesmo algum fragmento de olhar perdido no espelho pelo banheiro.

Queria ter esse teu ar distante, esse teu andar distraído pela vida tropeçando no mundo sem saber bem pra onde ir, queria ter tido um motivo pra ir embora, acho que no fim foi amor, mas não amor teu ou meu, acho que no fim foi amor próprio.
 Você não deve nem imaginar mas as vezes eu pensava como queria ter ficado, algumas vezes eu considerei pedir pra você ficar.

Mas isso não se faz não é mesmo?

Não se pede coisa dessas, ou se fica ou não, teu ficar dependia só de ti e você não quis muito ficar por aqui, levou teus ares pra longe e foi pra melhor; Você passou como um tufão aqui por dentro e tirou tanta coisa do lugar que não me dei o trabalho de arrumar, gostei do que ficou e quem sabe o próximo a entrar não agradeça essa bagunça toda, é bem mais humana comparada à monotonia que você havia encontrado no lugar.

Queria ser mais como você mas agradeço por ter me tornado mais parecida comigo mesma, pode passar, entra aqui  porque no fim tudo passa, eles passarão e eu passarinho.

01 maio 2014

Ato II - Nunca fui Primavera.


Floresço no inverno.

Ganho mais vida quando o vento encontra seu caminho por entre os fios do meu cabelo, não fui feita para temperaturas amenas, nasci para os andares austeros e os rostos mau humorados e é tão comum me sentir em casa em meio a toda essa cacofonia de sons,  sou só mais uma coisa que chega junto com as folhas que o outono derrubou; Vez por outra me pego dançando aos acordes agudos do vento, me vejo cantando junto a teus gritos, sendo uma sem ser nada; Floresço no inverno e deixo o inverno florescer pra fora de mim, deixo todo esse frio que guardo no peito sair e ir assombrar outras vidas, deixo meus ventos se enrolarem nas mãos solitárias que balançam a esmo procurando sempre outras mãos, vacilantes em procura de contato, de uma direção; Sempre achei lindo o contato que o frio traz consigo, o calor de juntar pele com pele, de abrir o peito e deixar outra pessoa entrar, tudo tão sutil, tão vago, que só pode ser observado a curto alcance; Isso é a melhor coisa do frio.


Não sou inimiga do frio, muito pelo contrário, espero por ele todos os anos, mas me diz, quando foi que teu frio chegou assim tão sem aviso? Me faz entender como ele apareceu tão rápido, foi o vento que trouxe ele pra você? Não faz sentido mentir, minhas palavras entregam tudo que eu tento esconder, teu frio chegou bem quando o meu tinha resolvido ir embora, resolvi seguir os conselhos de "Deixa acontecer" e deixei, libertei do peito o medo e vi ele de mãos dadas com meu frio andando sem saber pra onde ir depois de tanto tempo aqui dentro, pobres coitados, não sabiam mais enxergar o mundo sem ser por meus olhos.

E foi assim que fui de peito aberto procurar um pouco de calor pra preencher o espaço que ficou e que surpresa a minha quando dei de cara com teu frio, primeiro tentei alcançar um pouco de calor, mas acho que foi em vão; Depois da negação veio a indignação, não soube como lidar com o sentimento de não ter rumo, não ter nem meu frio nem teu calor pra me guiar, confesso que é bobo, mas tua pele me fazia muito bem, o calor das tuas mãos, teu contato, algumas vezes conseguia encontrar conforto até mesmo nos teus olhares, mas não adianta não é mesmo? Ficou tudo gelado agora; Ainda não consegui a aceitação, é tão difícil pensar em procurar meu frio de novo, acho que só vou esperar que os mesmos ventos que trouxeram o seu tragam o meu de volta para casa.


Queria não dar sentido à todas essas palavras, acordar com teu calor de novo pra ver que foi só uma frente fria, queria saber o porque; Não acho mais que você vá ler as coisas que escrevo, não faz parte do teu frio, na verdade mal faz parte do meu, vou ter que alfabetizar o meu novamente, ensinar que ele pode e deve, de vez em quando brincar com as palavras que me vem a mente; Tenho que reaprender a viver no meu inverno, não deve ser difícil depois de passar pelo teu, e que ironia essa, afinal de contas você descobriu o que é a Teoria do Congelador: gelo gera mais gelo.

Vou reaprender a ser vento e dançar por entre os lamentos do mundo, o vazio ainda está aqui sabia? Mas logo logo volta meu frio, logo logo eu reaprendo pra que fui feita.

Reaprendo a florescer no inverno.