"Existem Venenos Tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, temos que nos expor ás doenças que causam."

Oscar Wild.

27 outubro 2011

Cold Heart Lonely Bitch.






Não que ela não apreciasse a solidão, fazia isto, mas solidão em excesso machucava, a carência despontava um pouco mais firmemente do que o normal, mas ainda sim conseguia permanecer a mente sã e solida a vista de uma tarde sem nenhuma outra viva alma, virtual ou real, os amigos que eram escassos já não lhe faziam mais festa, o namorado, bem, que ele ficasse lá onde quisesse, a mãe estava fora e nem mesmo o cão lhe fazia companhia, o livro que descansava ao seu lado já não parecia querer ser lido, a música parecia barulho, o dia apesar de ensolarado, ficava opaco, e a vista das janelas sem cortinas mais parecia uma boca escancarada pro mundo lá fora, perdera a vontade de realizar velhos sonhos, perdia a oportunidade também, sentia raiva ao som do riso de outrem que vinha lhe incomodar pelo ar pesado de calor, sentia falta das tardes em que passava lendo com o mundo a lhe observar, e não o contrario.

A noite chegava a ser pior, a escuridão que antes era amiga, agora ficava opressora e vazia, não tinha nem mesmo a companhia do luar, ouvia a TV que tagarelava para a mãe na sala, e mesmo quando tentava se sentar e conversar com esta, fosse com a mãe ou a TV, era quase que completamente ignorada e voltava ao seu lugar, se tinha algum alivio com o computador, este lhe trazia problemas de outras pessoas, quando mal conseguia resolver os próprios, mas de todos os males este era o menor, até por que o ser humano nasceu com a incrível habilidade de cuidar da vida dos outros, esquecendo-se da podridão da própria enquanto se foca nos erros que terceiros estão cometendo, a melhor terapia é a que os próprios psicólogos utilizam.

Não sabia mais o que fazer com o tempo, ele agora se arrastava mais pesado que as nuvens que iam e vinham no céu durante o dia ameaçando abrirem-se e despejarem sobre a terra todo seu peso, pegou-se pensando com saudades os tempos dos banhos de chuva com os vizinhos, quando ficava de pijama deitada no concreto quente do estacionamento sentido os pingos pesados de chuva lhe amassar a pele, sentiu falta do tempo em que era dona das risadas que hoje tanto a irritam, olhou no espelho e viu um rosto jovem, alguém que conseguiria passar por 16 ou 25 anos se quisesse, viu mais além e olhou o quanto havia envelhecido, não tinha mais vontade de sair com quase estranhos e passar as madrugadas com etílico e algum outro corpo jogado ao seu lado em qualquer pista escura que pudesse encontrar, não tinha mais vontade de sair do conforto da própria casa e encarar o mundo com todas as faces que este tinha para lhe apresentar, havia ficado medrosa, temia o mundo e temia a solidão, as paredes esmagavam seus olhos que vagavam sem rumo e sem proposito procurando algo em que se focar, havia se trancado em uma bolha que chamava de solidão, ela mesma havia feito isso, percebeu como havia começado a afastar a companhia das pessoas, de como havia cavado a própria cova, deixando-se ficar em um mundo que odiava, em um mundo que a odiava de volta.

20 outubro 2011

Lonely Day.






Amassou no peito o livro que carregava, era a única coisa a qual podia se apoiar, seus pés doíam amassados em um salto desconfortável e se amaldiçoava por ter escolhido ir vestida como gente a um evento tão passável como o da noite passada, o vento frio entrava pelo casaco e pelo fino vestido que usava, as pernas nuas e brancas quase brilhavam a fria luz que saltava das ultimas horas de dia, apertava o choro nos olhos mais arduamente, não se permitiria chorar na rua outra vez, limpou nos olhos as únicas lagrimas que escaparam e continuou a andar pelas ruas desniveladas quase cambaleando sobre o salto.
Olhava em volta sem reconhecer o caminho, olhou para si mesma e não viu nem mesmo o vislumbre da garota que era há meses atrás, sentiu-se mais perdida do que se estivesse mesmo no caminho errado, percorria com os pés descalços o cascalho e as folhas mortas acumuladas dentro de si, fazia tanto tempo que não ousava por os pés naqueles caminhos, a terra batida estava infestada com ervas daninhas e o mato havia avançado quase todo o caminho deixando apenas uma fina linha de pedras onde antes corria sua estrada, dentro de si, ela chorou, viu no que havia se tornado, em tudo que deixou de lado por tanto tempo, nos princípios que havia jogado fora, as palavras que havia abandonado, as pessoas que havia desapontado via a si mesma nua e suja com uma garrafa entre as pernas, bebendo do liquido quente como criança sorvendo o leite do peito materno, bebia tudo que havia feito, os pecados que havia cometido, bebia a sujeira dos atos, das palavras, do abandono, e bebia sozinha, assim como estava, e sempre esteve, nenhuma das mãos que tão presentes estavam no riso estavam lá agora para lhe limpar as lagrimas dos olhos, abriu os olhos e viu os sinais de luz, os carros que passavam ao seu lado, os estranhos que fitavam aquela garota incomum andando torta por ruas tortas com pensamentos tortos. Fechou novamente os olhos. Dentro de si sua consciência que ali estava, decidira chama-la assim, fitou seus olhos nos seus, o cabelo e o corpo em um só nó, cheirava como se a muito não visse água, estava machucada em varias partes, e no meio do peito um corte passava rente entre os seios e descia-lhe até o umbigo, com um sorriso que lhe cobria o rosto não deixando nenhum espaço para sanidade ali, a consciência a pegou pelas mãos, beijou com lábios secos e ásperos os dedos rígidos de medo, e com uma ultima olhadela enfiou a mão entro do próprio corpo por entre o corte “agora se sinta por inteira minha querida" aterrorizada tentou retirar a mão das entranhas úmidas, mas tudo que conseguiu foi retirar um pouco do antebraço, e o sangue negro cobria a pele como se fosse derramado na neve, o cheiro de podridão a atingiu e nunca havia sentido tal coisa, tamanho terror, não se sentia mais capaz de abrir os olhos "vai em frente, você sempre disse se conhecer tão bem, não é mesmo?" e a criatura consciência, que aos poucos se parecia mais animal e menos humana, forçou seu braço mais adentro de si, a garota desabou e a consciência caiu de joelhos diante dela, limpou-lhe as lagrimas com as mãos sujas de sangue podre "pobre criança", ela sabia muito bem que não era mais criança, gritou com fúria, com dor, com medo, gritou até não restar mais folego, abraçou a consciência que ficou rija diante de si, abraçou a podridão que havia nela e suavemente retirou a mão que ainda residia dentro do buraco ensanguentado no peito de si mesma, manchou com mais sangue a alva pele de seu corpo limpando as mãos e beijou o monstro humano que havia dentro de si nos lábios sussurrando um pedido de desculpas.
Caiu mais ainda dentro de si, em outro nível do próprio inferno, não queria mais aquela podridão dentro de si, não queria acabar assim como se via, sabia tudo que havia feito de errado, mas nada é permanente a não ser a memoria, e ela sabia, que tudo lhe assombraria pelo resto dos seus dias, não por ter traído a confiança de outro alguém ou por ter machucado algum outro coração, mas por ter traído a si mesma e se perdido no mundo em que ela mesmo criara deixando de fora a melhor parte de si, se levantou na escuridão fétida e com os pés descalços, cavou o terreno que havia em sob si e lá deixou suas lagrimas virarem vida, não ficou para saber o que aconteceria, fechou o buraco e abriu os olhos, estava sentada no ônibus para casa, os pés ainda doíam feito o inferno, ainda não se sentia feliz, mas via que agora sabia o caminho de volta.