"Existem Venenos Tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, temos que nos expor ás doenças que causam."

Oscar Wild.

30 agosto 2010

S.C.


Ela mantinha os olhos perdidos na própria insensatez, raramente os fixava em algo para recuperar um pouco da sanidade desperdiçada; Era o verdadeiro caso da menina que enlouqueceu e padeceria de livre submissão ao seu amor.
Todos os dias sua rotina era idêntica, acordava já cansada, via-o em sua frente, sorria, chorava e tudo antes mesmo das dez da manhã, sabia o quanto seu toque lhe fazia mal, mas ainda assim como uma viciada acomodada em sua vida puída que a afastara de toda existência que conquistou fora dele, persistia para enfim morrer mais um pouco, sumir mais um pouco, se perder mais ainda dentro de seu próprio corpo vendendo-se a ele em troca da endorfina que ela se negava a receber de outras almas.
Sua boca se rasgava em um sorriso mal encenado enquanto seus olhos gritavam por socorro, nada mais lhe bastava e a menina deixou por vez tudo para trás ou em segundo plano, deixou-se em segundo plano para poder sorver dele as migalhas que este lhe atirava com os punhos fechados.
E então começaram os remédios, e a menina ainda se negava a enxergar que era capaz de viver sem ele, era fraca por própria vontade, se fazia de frágil para não encarar a vida, se matava por um otário que nada perdia enquanto permanecia onde estava, por alguém que quanto mais lhe via morrer dentro dos próprios olhos, mais sorria e se inflava do que ele chamava de vida.
Amor não é isso menina, menina que eu já tanto amei, e ainda amo apesar de tudo, amor é sacrifício, palavra que a muito já fora excluída do vocabulário de seu pequeno adorado.
Sua vida vale mais do que um punhado de calmantes por um retardado que simplesmente é egoísta demais para ver o quão mal lhe faz.

Não morra por ele, não mate a minha menina por tão pouco, por todo esse nada que fede a putrefação e que você ignora pela necessidade de ter a ilusão do que um dia chamou de amor.

Pretérito do infinito futuro.

As seguintes palavras não possuem alvo fixo, ou talvez possuam, e nelas deixo transcrever meu pedaço mais "rose".

Não tenho certeza de onde estas brotam, das ancas, do braço, podem provir até do pulmão, quem sabe? Ou talvez da parte que reluta e nega a afirmação de que tais silabas escaparam-me do coração.
São simples, da simplicidade mais complexa na semente de algo que pode se fazer brotar dentro de si, de mim, de tu talvez? De nós? Não estas estão mais para o infinitivo, perdoe-me digo imperativo, ou somente do improvável?
Falo das viagens que teus dedos fazem em meus mares vinhedos? Envinharados?
Ah que se dane, em meus mares de vinho, que hora se encontram escarlate outras acobreados, ou até em tons dourados dignos das infinitas plantações de trigo.
Tais viagens que igualmente percorrem meus vales nevados, trêmulos, rosados, viagens que permanecem e eventualmente me fazem estremecer dentro de minhas roupas, que cobrem os caminhos por onde dito às placas que lhe guiarão por minhas terras, imperativista de minha parte? Não, vejo mais como uma carência crônica posta no futuro, passado e presente por teus pés em células minhas, nem que enfim eventualmente se migrem a meus neurônios.
Viagens estas que necessito para apagar cicatrizes provocadas pela dona de tais terras e não por outros viajantes assim como ti, cicatrizes que rogam por tuas pisadelas.
Apesar da carência necessitada também de teus caminhos sei que não passamos de viajantes e isto até minhas ancas, donas ou não destas palavras, sabem, viajantes vem e vão, andam e exploram-se mutuamente e ao fim seguem outros caminhos.
Raros são aqueles que fixam moradia pelos caminhos já desvendados, sem a emoção da descoberta que é o motivo de todos os outros partirem em busca de novos brilhos, em outros vales, outros mares.
Temo descobrir eventualmente o eco do silencio que a ausência de teus passos me causará, porém, em desvantagem, mas ainda existente, temo a possibilidade de nosso presente jamais se transformar em pretérito imperfeito, ou quem sabe algum mais do que perfeito.
Assumo meus medos e indecisões no infinitivo, porém não me deixo ser engolida por estes impedindo-me talvez de algum futuro atemporal qualquer.

01 agosto 2010

Madrugada


Sem saber pra onde ir, ele persistia e caminhava, seus passos cambaleantes eram teatro aos olhos do luar, seu riso que se perdia em redemoinhos de ar era doce e suave, relembrava o passado tão distante de segundos atrás.

Um perfume, um olhar, um teco de perna por debaixo do longo vestido de chita, os cabelos presos numa trança e a infantilidade de mulher presa num corpo que não era mais uma criança.
Seus olhos sorriam, mais ainda que os próprios dentes, brilhavam competindo com a malévola lua que cobria o campo desnudo por onde vagava, sentia-se leve, seus ossos poderiam voar se não fosse toda carne a manter-lhes no chão, exalava em si o aroma dela, via em si seus gestos, sentia em si sua presença.
Negava até ao vento que tudo que guardava no peito era o pobre e vulgar amor que todos lhe atiravam como única alternativa, negava a si mesmo o fato de estar apaixonado, aquilo não era amor, não era nem ao menos tesão, era algo que não podia explicar, algo novo que o mundo jamais vira, algo que nasceu no minuto em que pôs os olhos nela, algo que vai morrer no segundo de seu ultimo suspiro.
A grama orvalhada roçava em sua perna, sentia os pés gelados, os sapatos velhos balançavam em seus dedos, a camisa aberta mostrava a pele morena banhada pela brancura incurável do luar, sabia que era incurável aquilo que sentia, não tinha o mínimo desejo de curar-se de toda aquela baderna que crescia dentro de si.
Fechou os olhos.
Suas mãos agora estavam na cintura dela, por cima do tecido ainda era capaz de sentir a suave curvatura do quadril, sentia suas pernas enroscadas com as suas, seu pescoço tão perto de seus lábios, sentia sua respiração agitada pelo ritmo da dança.
Fez-se silencio.
Sem mais quadril; Sem mais pernas; Sem mais pescoço.
A menina com desenvoltura de mulher agora sorria-lhe por trás do ombro afastando-se cada vez mais.
Perdeu-se em uma multidão de infindáveis olhos, infindáveis risos, uma imensidão robótica e impenetrável.
Procurou seu olhar em todas outras, seu aroma, até mesmo seu riso, mas foi incapaz de achar a mulher que recusava-se a amadurecer, em um corpo tão maduro.
Saiu pela porta dos fundos tirou os sapatos e andou, riu da ironia do destino, amaldiçoou a própria burrice.
Seus olhos abriram-se lentamente e uma estranha claridade invadiu de súbito seus pensamentos, a sua frente avia a lua, um farol de carro e por cima do capô a menina do vestido de chita.
Entrou no carro, deu-lhe um beijo e dirigiu até em casa a tempo de dar aos filhos seu beijo de boa noite

Retratação

Ela parou e sentou-se, olhou para ele com remorso raiva e compaixão, trazia junto a si um pedido de desculpas, aguardava o seu ser entregue há tempos, no fundo sabia que ele não viria.

Sentiu a dor das palavras que não queriam lhe escapar da garganta, sentiu o sufoco que o ar lhe proporcionava a cada nova rítmica respiração, sentiu suas unhas a fincar-lhe a pele, seu corpo congelar mediante tão estúpida situação; Conhecia-se muito pouco, aos outros menos ainda, era nova, inexperiente, de todo quadro que via agora diante de si conhecia apenas a dor que já lhe fora constante em outros tempos.
Ultimamente em seu peito nada mais lhe pesava, o ar entrava e saia naturalmente sem maiores obstáculos impostos por seu psicológico, andava se sentindo leve, nova, inexperiente.
Lembrou-se da infância, do tempo em que era despreocupada com a roupa que usaria ou com que cor estaria seu cabelo semana que vem, lembrou-se de todo riso que dera só por estar viva, só por que achara uma árvore bela, ou por um raio de sol refletido nas gotas de chuva, lembrou-se do tempo em que seus medos eram simples, eram apenas medos de criança, do tempo em que nada poderia atravessar o colo de sua vó ou a lã de seu cobertor, lembrou-se que as memórias com ele nesse tempo também eram escassas.
Não havia nenhuma dor dentro dela mas mesmo assim a menina chorou, levou a mão ao rosto e tocou aquela pobre matéria que cobria sua alma, sentiu a umidade que as lagrimas lhe causaram e sorriu.

Ainda estava viva.


Levantou-se e jogou algumas rosas sobre a grama onde seu pai agora repousava, uma delas continha uma lagrima sua, não uma lagrima de saudades, mas sim uma que derramara pelo pobre homem que viveu e escolheu deixar apenas sua filha crescer.
Seus passos não ecoaram na saída, ninguém notou sua presença, seu alivio não ficou estampado na memória de ninguém, era algo só dela e agora também de seu pai.