"Existem Venenos Tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, temos que nos expor ás doenças que causam."

Oscar Wild.

01 agosto 2010

Madrugada


Sem saber pra onde ir, ele persistia e caminhava, seus passos cambaleantes eram teatro aos olhos do luar, seu riso que se perdia em redemoinhos de ar era doce e suave, relembrava o passado tão distante de segundos atrás.

Um perfume, um olhar, um teco de perna por debaixo do longo vestido de chita, os cabelos presos numa trança e a infantilidade de mulher presa num corpo que não era mais uma criança.
Seus olhos sorriam, mais ainda que os próprios dentes, brilhavam competindo com a malévola lua que cobria o campo desnudo por onde vagava, sentia-se leve, seus ossos poderiam voar se não fosse toda carne a manter-lhes no chão, exalava em si o aroma dela, via em si seus gestos, sentia em si sua presença.
Negava até ao vento que tudo que guardava no peito era o pobre e vulgar amor que todos lhe atiravam como única alternativa, negava a si mesmo o fato de estar apaixonado, aquilo não era amor, não era nem ao menos tesão, era algo que não podia explicar, algo novo que o mundo jamais vira, algo que nasceu no minuto em que pôs os olhos nela, algo que vai morrer no segundo de seu ultimo suspiro.
A grama orvalhada roçava em sua perna, sentia os pés gelados, os sapatos velhos balançavam em seus dedos, a camisa aberta mostrava a pele morena banhada pela brancura incurável do luar, sabia que era incurável aquilo que sentia, não tinha o mínimo desejo de curar-se de toda aquela baderna que crescia dentro de si.
Fechou os olhos.
Suas mãos agora estavam na cintura dela, por cima do tecido ainda era capaz de sentir a suave curvatura do quadril, sentia suas pernas enroscadas com as suas, seu pescoço tão perto de seus lábios, sentia sua respiração agitada pelo ritmo da dança.
Fez-se silencio.
Sem mais quadril; Sem mais pernas; Sem mais pescoço.
A menina com desenvoltura de mulher agora sorria-lhe por trás do ombro afastando-se cada vez mais.
Perdeu-se em uma multidão de infindáveis olhos, infindáveis risos, uma imensidão robótica e impenetrável.
Procurou seu olhar em todas outras, seu aroma, até mesmo seu riso, mas foi incapaz de achar a mulher que recusava-se a amadurecer, em um corpo tão maduro.
Saiu pela porta dos fundos tirou os sapatos e andou, riu da ironia do destino, amaldiçoou a própria burrice.
Seus olhos abriram-se lentamente e uma estranha claridade invadiu de súbito seus pensamentos, a sua frente avia a lua, um farol de carro e por cima do capô a menina do vestido de chita.
Entrou no carro, deu-lhe um beijo e dirigiu até em casa a tempo de dar aos filhos seu beijo de boa noite