"Existem Venenos Tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, temos que nos expor ás doenças que causam."

Oscar Wild.

20 maio 2010

Capitulo Um.

Meus passos seguem ecoando contra o frio concreto da calçada.

Sigo por ruas estampadas de sujeira e esquecimento, meus dedos roçam levemente as paredes, sinto os segredos e imundices as quais aqueles pobres tijolos já foram platéia.
Mulheres com a face excessivamente pintada e uma falta ignorante de roupas se escondem pelas sombras de ruelas, esperam silenciosamente por homens sedentos e embriagados que as usarão, sentem prazer com a rotina sórdida na qual se entregaram, gozam dos prazeres da imundice, aliviam-se no álcool, vêem a si mesmas como a podridão necessária da sociedade, orgulham-se por prestar favores tão árduos a nosso mundo.
Não permito meu olhar vaguear por tais corpos, resisto a todo e qualquer chamado que me atraia, fujo das tentações da carne abrigando-me sobre as quietudes do espírito.
Viro algumas esquinas, ando aleatoriamente por onde meus pés se permitem ir, finalmente sinto o silencio a me invadir, gozo do sentimento de solidão no qual me infiltro, meus dedos procuram o maço de cigarros em meu bolso, acendo o isqueiro, a pequena chama se faz claridade por entre a escuridão da rua, meus passos seguem continuamente, apesar de uma leve desaceleração quase imperceptível causada pelo efeito do tabaco que se prende a cada célula de meu corpo relaxando meus músculos pouco a pouco.
Alguns metros à frente ouço o barulho forçado de um pequeno cabaré, o cheiro de perfume barato e álcool se intensificam a cada passo, meus instintos naturais guiam-me até a porta, uma placa de neon vermelho tinge tudo ao seu alcance de rubro sangue, um homem forte e mal encarado repousa ao lado da pequena porta pela qual saem os gritos de excitação do pequeno publico que se encontra nos interiores de tal espelunca.

- Como vai ser camarada? Veio para ver a atração especial?

As palavras do homem, o qual a existência já parecia nula enquanto inconscientemente meus passos se cessaram e meus olhos vidrados fitavam a luz escarlate do neon que contornava as letras de meu desejo, me despertaram de tamanho transe que tomara por completo meus sentidos.

-Não obrigado, talvez na próxima vez- Mecanicamente obriguei meu corpo a ir em frente, o esforço de postar cada pé a um distancia mínima do local era quase insuportável.

-Tem certeza? Uma mulher dessas a gente não vê todos os dias.

Meus olhos então encontraram um cartaz pobre colado ao lado do homem, uma mulher já madura, porém bonita de cabelos loiros tingidos e sobrancelhas negras posava em um lingerie vermelha de um tom desbotado perto de seu batom chamativo sobre a pele morena de sol tinha curvas bonitas e um olhar sedutor, suas pernas estavam entreabertas e insinuava mostrar o pequeno e frágil sexo para os pobres trabalhadores que durante dias economizariam tostões do pão para ir ver tal mulher que os encarava no cartaz colado na decadente parede.

-Não obrigado.

Prossegui o caminho de meus passos, agora porem mais naturalmente, não era capaz de decidir se o sentimento que agora inundava meu peito era formado por decepção ou alivio.
Acendo mais um cigarro, essa merda vai acabar por me matar um dia, mas não vejo coisa melhor agora do que sentir a seca fumaça se espalhando por minha garganta e finalmente chegando a meus negros pulmões que filtrarão toda magia que aquele pequeno veneno despeja sobre mim.
O som do pequeno cabaré se afasta cada vez mais levando consigo o sabor da luxuria que me tentava os nervos.
A quietude era tanta que não sabia dizer se se passaram minutos ou horas, mas finalmente entrei em um pequeno beco que tinha como única fonte de luz um lampião que ficava exatamente no meio de seu percurso, hesitei em continuar pelos paralelepípedos mal colocados no chão, mas algo que ia alem de minha consciência fez minhas botas continuarem passo após passo, apesar de ser um homem pesado a lodosa umidade que habitava o chão tornava-me completamente silencioso, fazia parte das sombras agora e a única coisa que me destacava em meio a todo negro que me rodeava era a fraca claridade de uma nova bituca de cigarro que se acomodava gentilmente aos meus lábios.
Subitamente ouço o ronco de um motor a cortar o mortal silencio que repousava no ar, um carro negro vinha rapidamente em minha direção pelo beco, estava a poucos passos do circulo iluminado que o lampião projetava no chão, mas as sombras ainda guardavam-me como partes necessárias de si, instintivamente joguei o cigarro no chão apagando o único indicio de minha existência por entre tudo que me rodeava.
O grande carro, de modelo que não me transferiu nome algum a memória, parou exatamente sobre o circulo, se desse mais dois passos e esticasse minhas mão seria capaz de tocar o metal polido de sua carcaça, suas portas se abriram violentamente e de seu interior foi despejado um corpo.
As portas se fecharam e partiram junto com o motor que quebrava a paz de meu silencio, porem o pequeno corpo continuava jogado por entre as pedras lodosas do beco.
Seus cabelos de fogo cobriam-lhe as faces, a pele excessivamente branca contrastava contra a sujeira que cobria certas partes de seu corpo, estava sem roupa de baixo, usava somente um leve vestido azulado com um grande decote em renda, meus instintos gritavam em minha cabeça para que continuasse a andar, porem me dirigi até o circulo luminoso e coloquei meus dedos do lado esquerdo do pescoço da pobre criatura, não deveria ter mais de 18 anos, tinha um rosto bonito via agora que tirara os fios vermelhos de sua face, tinha batimento.
Ajeitei-lhe o vestido e tentei erguer-lhe do chão, era leve, seu peso quase insignificante em meus braços, sua inconsciência me perturbava, sai do beco e me dirigi ao centro da cidade, não avistei alma viva durante o logo percurso e o único som que era capaz de ouvir eram meus passos e a fraca respiração da pobre criatura aninhada em meus braços, me dei na mesma rua deserta da pequena espelunca que tinha como atração principal a loira de lingerie vermelha, um taxi esperava um senhor de meia idade com um paletó de segunda sair de seu interior para a luxuria que o esperava por trás da porta que se abria como uma boca entre a luz vermelha fiz sinal para que o motorista me esperasse e me apressei em direção ao pequeno carro.
Um homem de cerca de 40 anos, cabelos grisalhos, bigodes fartos e incrivelmente negros guiava o taxi, não me perguntara nada da pequena, apenas me levara até o endereço que soturnamente lhe disse, ao final da corrida joguei uma nota de 50 no banco da frente e lhe disse que ficasse com o troco.
Entrei pela porta de madeira, o silencio reinava por entre tudo que me cabia a vista, subi as escadas até meu quarto, repousei o pequeno corpo sobre a cama, haviam algumas cobertas no armário, abri as portas e encontrei um velho edredom que não via há anos, agarrei o tecido semi puído e cobri a massa de carne e ossos que respirava calmamente.
Desci até a sala, não tive coragem de acender luz sequer, no breu acendi um cigarro e me servi de um copo de algo forte, o liquido quente me desceu a garganta revivendo tudo que jazia morto e frio dentro de meu corpo, joguei meu peso sobre o velho sofá tirei as botas enquanto terminava o cigarro, procurei pelo maço novamente, vazio.
Fechei meus olhos e cai lentamente na inconsciência.