"Existem Venenos Tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, temos que nos expor ás doenças que causam."

Oscar Wild.

26 outubro 2010

She Is.

Os olhos perdidos no emaranhado dos cabelos se fixavam no nada, deitada imóvel ela tecia dentro de si as lembranças de tantos algos que jamais chegara nem perto de presenciar, revia velhos amigos sem face, beijava bocas sem dono, via fantasmas sem olhos, olhos sem vida, ouvia o murmúrio das arvores, cantava aos timbres de um beija flor, dançava sua valsa muda escalando com as mãos sua redoma de vidro.


Não dormia, tampouco se mantinha acordada, viajava e corria pelos fios despenteados do cabelo que lhe cobria a face, via em cada um o filme da vida daqueles que a circulavam, ao longe uma voz discursava sobre as implicações da má distribuição de renda e da seca no nordeste, lembrou-se de tantas idéias que já teve, idéias que jamais saíram da sua cabeça, nunca se considerou uma boa escritora, sabia que já havia escrito muito mais do que suas mãos transcreveram no papel, em sua cabeça as idéias mais puras e concretas se formatavam e se fundiam em palavras intermitentes, lembrou-se de esquecer-las todas após segundos.

Lembrou de alguns olhares sem dono, alguns com donos que seriam perenes para ela, lembrou de transcrever, escrever e esquecer todos os detalhes de cada um deles, porem sem jamais perder nada do que lhe foi dado.

Sabia onde estava, apenas perdera a conta de quanto tempo já havia passado desde a ultima vez que havia piscado os olhos, se perdera nas inúmeras vidas que já vivenciara desde então, por segundos se esquecia de como se falavam certas palavras, inventava algumas varias para repor aquelas que se tornavam fugitivas, era tão estranha pra si mesma quando para todos aqueles que via diariamente e não conhecia intimamente quase nenhum, sabia das loucuras, os escapes, medos e disfarces de alguns, mas se sentia tão perdida quando se aprofundava em algum em especial que rapidamente migrava de alma e permanecia na ignorância que tanto a agradava.

Sentava-se na primeira carteira da ultima fileira todos os dias, conversava pouco com pessoas que representavam um numero ainda menor, era um fantasma que todos conheciam, alguns preferiam ignorar, outros odiar.

Já foi invejada, já foi outra pessoa completamente diferente, hoje pensava em tantas coisas que não sabia se era a mesma que foi no minuto em que chegou, hoje pensava nele, em algumas elas, não gostava muito de pensar em si, era um egoísmo desperdiçar seu tempo pensando na pessoa que pensava seus pensamentos.

Sabe quem ela é?

Não senhor, se voltar amanhã talvez possa responder sua pergunta.