"Existem Venenos Tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, temos que nos expor ás doenças que causam."

Oscar Wild.

04 janeiro 2014

Welcome.

Desculpe, estamos fechados.

Sabe não é nada pessoal, foi uma surpresa pra mim também mas não tão grande quanto deve ter sido pra você, sabe meu querido só não deu mais pra ser, a porta ficou sempre aberta e eu tinha colocado um capacho tão bonito pra te receber, eu esperava você e ... me conta a verdade, você não queria muito entrar não é mesmo? Mas você acabou entrando e eu fiquei tão feliz que não liguei pra lama no capacho, não liguei pros sapatos em cima da mesa de centro, não ligava pra tevê no volume alto só pra esconder minha voz, eu só era feliz por te ter ali, logo ali, te tendo como meu sem nunca querer ser sua dona de verdade, de nada meu querido.

Mas sabe meu querido, eu nunca soube esconder minha surpresa nem minha decepção, e essa foi realmente uma surpresa, um dia a porta passou a parecer mais uma boca por onde você passava pra bagunçar tudo que eu havia arrumado, o barulho já não escondia mais a voz que crescia aos pouquinhos dentro da minha cabeça e que surpresa quando ela me dizia que eu já não queria mais você lá, eu disse meu querido, não sou boa em esconder as coisas e sei que deixei transparecer que de todas as coisas que queria ali dentro a ultima delas era você. Aos poucos os sapatos não deixavam mais marcas de lama, a tevê não gritava mais, aos poucos minha quietude foi voltando mesmo contigo ali e me conta... quando foi que você percebeu? Eu não consigo deixar de perguntar o quanto você tentou mudar pra se manter ali, quantas manhãs você não acordou com a luz do sol no rosto perguntando se quando voltasse a porta ainda estaria aberta, você realmente achou que ela ficaria ali pra sempre? Eu não posso dizer que fui eu porque sabe meu querido, não fui só eu, foi teu barulho, teus modos, foi você e o bem que a sua ausência as vezes me fazia, sabe... foi a falta da saudade, da ansiedade de ver você entrando, foi a falta de amor, eu não te amava mais, eu não queria mais ter teu barulho nem teu silêncio, desculpe meu querido.

E eu mudei tanto não é mesmo? Não era mais sua criança, deixei de ser sua menina, passei a ser mais mulher, foi difícil perceber que eu não concordava mais contigo? Foi assim tão ruim me ver sendo tão indiferente à tua dor? Foi estranho ver que ao teu lado no sofá haviam outras pessoas? Como foi chegar um dia e ver que tua poltrona favorita não estava mais lá? Minha vida nunca foi só minha e eu sempre gostei tanto disso, eu era um café onde as pessoas sentavam pra conversar, sempre fui um porto seguro pra quem eu deixava entrar, o ultimo lugar aberto às 4 da manhã, eu esvaziei tanto quando você chegou e te acostumei tão mal com isso que chegar um dia e ver tanta gente no mesmo lugar deve ter te assustado, me desculpe meu querido.

Hoje em dia o capacho bonito continua lá e as pessoas também, hoje em dia eu vivo sempre cheia de um silêncio barulhento que me faz tão bem meu querido, da pra ouvir o blues que sai de mim de lá da esquina não é mesmo? Acho que voltei a ser mais menina, voltei a ter uma meninisse de mulher e sabe meu querido... quer dizer... desculpe acho que não posso mais te chamar de meu querido, sabe... eu vi que o medo de não ter conforto com a tua ausência era tão bobo. Não sei até onde eu imagino a tua cara encostada na janela olhando aqui pra dentro de vez em quando mas dessa vez o capacho não é mais pra você, o lugar que era teu ainda ta ali mas não mais pra você ocupar.

Desculpe, estamos fechados pra você.