"Existem Venenos Tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, temos que nos expor ás doenças que causam."

Oscar Wild.

23 agosto 2011

Brincadeira de Mulher




O quarto era o mesmo, as mesmas paredes rosa com muitos bichos de pelúcia empoeirados, os moveis de madeira vermelha escura e a mesma cama comprida que por ela estivera sempre ali, já que não tinha memórias daquele quarto sem ela, o quarto era o mesmo, a garota, em tese, também, ainda tinha o mesmo nome, a mesma família, o mesmo rosto que conseguia aparentar quinze e vinte e cinco anos ao mesmo tempo, estava mais velha, já tinha o corpo de mulher agora, o que na maioria das vezes a ajudava a entrar nos bares e conseguir sua pequena dose de diversão sem ser abordada sobre seu RG, não tinha os seios fartos que desejava, eram pequenos, porem redondos e belos, pelo menos ela podia dizer que havia quem  gostasse, não tinha o corpo de sua preferencia também, mas isso já é história para outro dia.
A garota já não era mais uma pequena mulher, havia se tornado uma mulher feita aos olhos de quem ela desejasse que a visse assim, sabia abusar do que tinha para conseguir o que queria, e isso a deixava com uma pontada de remorso, não se sentia suja, mas era algo que deveria lhe incomodar, mas que não incomodava, e logo ali ela encontrava um problema, na falta de algo que ela julgava necessário, ou na verdade ela temia que fosse o remorso escondido que se disfarçava de falta apenas para lhe deixar mal.
Naquela noite a garota mulher quis deixar de ser mulher, simplesmente cansou de se sentir com aquela falta de moral para com si mesma, não sabia o que queria da vida, muito menos o que queria para amanhã, que já foi ontem a um bom tempo, naquela noite a garota queria voltar a ser criança, não teve mais vergonha do corpo que levava, não viu mais os seios como objeto de desejo alheio, era apenas uma garota, e com a mesma nudez que ela deitava em outras camas, sofás, chãos, escadas, carros, enfim, com a mesma nudez em que ela amava e já havia fingido amar, ela deitou como criança na mesma cama de seu quarto provisório de infância, se sentiu estranha morando ali, relembrou os tempos em que só via aquele quarto de final de semana, se sentiu velha, mas o sentimento durou pouco quando se lembrou de que por aquela noite ela era uma criança, e como todo mocinho tentador dizia nos filmes que via com sua vó quando era pequena “a noite é uma criança” sentiu uma pontada de riso, extremamente irônico algo que na verdade não é nada além de um período de tempo, ser uma criança, algo também tão adulto ser uma criança, dessa vez riu de verdade, era exatamente o que ela desejava ser, ou o que era, já não sabia mais, por aquela noite ela já havia decidido, seria criança, seria noite.
Se sentiu segura fugindo do ar frio debaixo das cobertas, o corpo quente em pele transformou tudo em calor, e o seu toque era macio, era pele contra pele, sua pele, contra ela mesma, procurou seu companheiro de todas as noites, um cachorro de pelúcia que a acompanhava desde os dez anos de idade, abraçou seu pequeno corpo macio e sintético e o toque que lhe retribuiu foi inocente, recostou sua cabeça entre os seios e o abraçou, nada da jovem mulher, naquela noite ela era apenas uma criança, dormindo nua em seu corpo de adulta, tratando como amigo um animal de pelúcia e sem receios de se sentir suja, ou do medo desse receio não vir escondido como brincadeira de mulher.

A velha historia da garota que queria ser mulher e se disfarçava de criança, fica assim pra sempre com uma cabeça entre os seios e os pensamentos em outros corpos, e o corpo em outras mentes.