"Existem Venenos Tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, temos que nos expor ás doenças que causam."

Oscar Wild.

24 julho 2014

Vesânia.

Caminhava feito um fantasma na própria casa, passava por portas, cadeiras e demônios que nunca havia encontrado lá antes (não é normal mas a gente continua) sentiu o piso frio da cozinha castigando seus pés descalços abriu uma garrafa do vinho mais barato e voltou ao seu refúgio agora violado pela presença de si mesma, as cobertas sempre lhe protegeram do mundo mas nunca de si própria.

O liquido doce lhe descia pela goela (me lembro bem, um corpo em pleno retrocesso) um cigarro pendia ao fim do Caos (e a agonia de ficar sempre assim) nunca soube o que lhe faltava então procurou o pedaço em outros corpos, deitou em tantos lençóis, acariciou tantas peles, beijou tantas bocas, tudo pra saciar um vazio que não era de todo seu ( jurou ter cura o desencanto) nunca lhe passou procurar os pedaços em si mesma, ir nos cantos proibidos, abrir as portas enferrujadas, se descobrir antes de descobrir o corpo nu deitado ao lado de outro (me leva pra qualquer lugar).


Não queria ser só mais um corpo, tinha sede de vinho e de vida, tinha fome de novas histórias, novos amores, como uma viciada sem nunca ter amado se entregava a qualquer gentileza (pois mesmo sóbrio, me entrego fácil) nunca se achou digna de todo amor que procurava, tinha medo de assumir seus demônios mas amava-os com uma dedicação de mãe, escondia-os do mundo e lhes dava uma vida que um dia já foi sua (nossos filhos, nossa casa, nossos caminhos).

Quis levantar mas se lembrou que não tinha pra onde ir, permaneceu na mais pura inércia, a mente correndo entre as palavras que nunca disse pregando peças com um passado que nunca aconteceu (mas custa pra admitir), olhou o céu cinzento e respirou a fumaça do próprio desespero, sempre foi assim, não sabia funcionar de outro modo, viu que o rosto no espelho já não era mais o seu, o sorriso refletido parecia cansado de ser falso (sei que de um pouco de amparo eu me refaço), saiu da própria existência pra experimentar outros ares, foi procurar nas ruas o que nunca teve coragem de ver em si mesma, procurou e procurou mas ainda não achou o que procurava.


Não sabia abrir as portas que lhe privavam de quem queria ser, então foi atrás das chaves.