"Existem Venenos Tão sutis que, para conhecer-lhes as propriedades, temos que nos expor ás doenças que causam."

Oscar Wild.

19 novembro 2011

Puzzle




A rotina era a mesma, acordava como si mesma, se escovava pra fora da própria boca e caia no mundo como só mais uma foto bonita, se escondia por trás de algumas palavras mal humoradas e alguns sorrisos verdadeiros, era sempre a mesma, gostava das coisas como eram, de como tudo permanecia, odiava perder as coisas em sua vida, nada era adjacente e cada peça que um dia já a completou tinha a estupida tendência de fazer falta uma hora ou outra, essa é a história de uma dessas peças, ou de algumas varias delas.


No começo aquilo só estava ali, não rendia nada mais que algumas boas risadas, era divertido, até confortante saber que depois de qualquer dia teria aquilo para fazê-la rir, com o tempo foi conhecendo mais o motivo de tanto riso, conheceu aos poucos suas dores, e as conversas que antes eram cheias de gente, agora ficavam só entre os dois, foi precisando agora, não mais do riso, mais da companhia, o conforto era de ver aquilo lá, não importa com qual humor, coisa que variava mais do que as vezes que ela trocava de roupa em um dia, sentia as lagrimas nos olhos quando essas também rolavam do outro lado do seu mundinho onde seu conforto permanecia, longe demais pra ela se sentir realmente completa, perto demais pra ela deixar aquilo simplesmente ir.
Um pouco mais de tempo e aquilo se tornou essencial, quando não ficava grudada no computador, grudava no celular, esperando, sinais do tal conforto, sorrindo quando estes apareciam, vezes por outra ficava horas imaginando algumas daquelas palavras ditas de verdade, e não só impressas nos pixels que a cercavam, lembra-se de muitas palavras até hoje, velhas palavras que não vão desgastar nunca, palavras que foram construindo um amor, silaba por silaba, e que amor estranho era aquele, tão fraternal e tão carnal ao mesmo tempo, ao mesmo tempo em que queria embalar aquele conforto nos braços como um irmão pequeno, queria os beijos e abraços, queria aquele conforto pra si, um conforto que ficava muito longe, e a distancia que era tão física foi afastando o emocional, até que ela se trombou com alguma outra peça por ai, e essa peça insistiu e ficou, não cobriu, mas substituiu um encaixe antigo do antigo conforto, tão novo e tão antigo ao mesmo tempo, mas essa peça, a nova, era tão fascinante que foi lhe ganhando o sentimento, e a distancia era curta, os braços reconfortantes estavam logo ali, tão perto, tão tentadores, tão reais até o dia que o antigo conforto resolveu lhe bater a porta, e ela finalmente sentiu aqueles braços envolta de si, viu a face que tanto havia lamentado seus temores, os olhos que tanto haviam lhe feito rir, tudo isso, e de tão longe, ela sempre soube que aquela era uma peça especial, sabia que nunca iria deixar de amar aquela peça, mas não sabia mais que tipo de amor, a nova peça a conquistou mais do que ela podia, e queria imaginar, meses depois já estava apaixonada por aquela peça tão convidativa, e foi ali, depois de meses, nos braços do antigo conforto, que ela percebeu que aquele amor havia mudado, e o quanto havia mudado, amava aquela estranha peça como um irmão, ele jamais deixaria de ser um conforto, era uma peça-gêmea, enquanto a nova peça, bom àquela peça era outra das peças únicas que ela sabia que só iria encontrar uma vez na vida, tinha mais do que um encaixe perfeito, havia se tornado a única peça perfeita para ela.
Mas por mais encantada e por mais que ela tivesse começado a amar o novo conforto que tinha, aquela nova peça, ela nunca deixara a antiga pra trás, manteve ela ali, fiel como uma irmã, como o que ela podia ser, até um dia que aquela peça, aquele conforto achou outro conforto para si, outra peça pra substituir a peça que ela, gostaria, que tivesse ocupado na vida daquele conforto, tentava convencer a si mesma que não era ciúmes que ela sentia, mas no fundo sabia que era, mas sabia conviver com aquilo, seria hipócrita se não soubesse, mas as coisas não foram fáceis, aquela nova peça machucava seu antigo conforto, o fazia derramar as mesmas lagrimas que ela já quisera muito secar, aquela nova peça começou a deformar aos poucos seu conforto, e ela, bom ela era apenas uma garota, não sabia o que fazer, tinha seu próprio amor, mas não conseguia ver sua peça-gêmea morrer por um amor tão desafortunado, fez de tudo, foi o seu conforto quando este precisou, mas nem isso funcionava, até um dia em que aquela peça, que era tão especial, tão singular, aquela antiga peça pareceu tão bizarramente estranha, que ela subiu suas muralhas e ativou o modo defensivo que a muito estava adormecido em si, aquela foi à única vez que havia tido a coragem de magoar aquele conforto, e como ela o fez, sofreu por dias, quieta, fechada no próprio mundinho, sentida, depois de muito tempo aquela peça foi lhe voltando, aos poucos, dizia que seu novo conforto estava mudando, mas por dentro a garota nunca conseguia sentir aquele seu conforto feliz, completo, com algum encaixe que lhe fosse perfeito.

Hoje a garota viu um texto de seu antigo conforto para sua nova peça, e sem saber por que, a garota chorou, se sentiu perdida, não tinha seu conforto a seu lado, nem mesmo ele que estava teoricamente tão perto, e pela primeira vez se sentiu ameaçada, como se tivesse perdendo aquele velho conforto, aquela sua peça-gêmea, aquela peça que entrou tão espontaneamente em sua vida, e que ela pela primeira vez via o perigo de perder.